Vida e obra de José Anastácio da Cunha

 

José Anastácio da Cunha nasceu no seio de uma família humilde a 11 de Março de 1744. O seu pai, Lourenço da Cunha, era pintor e sua mãe, Jacinta Inês, era criada. Anastácio da Cunha foi baptizado na Freguesia de Santa Catarina a 22 de Maio

Quando José Anastácio da Cunha nasceu, os seus pais moravam na Rua dos Ferreiros,  local mais provável do seu nascimento. No ano 1750, mudaram-se para a rua dos Galegos na freguesia do Sacramento.

A sua educação foi marcada pelas ligações que teve com os oratorianos do convento da Nossa Senhora das Necessidades e pela figura da sua mãe que o educou com princípios cristãos nos primeiros anos da sua vida. O jovem Anastácio da Cunha aprendeu gramática, retórica e lógica no colégio dos padres oratorianos. Por curiosidade, sozinho, sem auxilio de qualquer mestre, estudou física e matemática. Há ainda a hipótese de que Lourenço da Cunha tenha ensinado a seu filho rudimentos da matemática e da geometria.

A 25 de Junho de 1764, quando Anastácio da Cunha tinha 20 anos de idade, foi nomeado  primeiro-tenente do regimento de artilharia do Porto onde teve oportunidade de se dedicar aos seus estudos de matemática como também à história, às línguas às belas artes.

 

 Anastácio da Cunha era um jovem muito tímido, arrebatado e principalmente muito dotado tanto em termos científicos, como também linguísticos e literários. Parte da sua personalidade intelectual terá sido influenciado pelo contacto que manteve com oficiais de culturas de países designados como "iluminados". Assim, foi no convívio que manteve com oficiais ingleses que aprendeu bem a língua inglesa. Além do latim e do grego aperfeiçoou o francês e o italiano o que lhe permitiu mesmo fazer várias traduções.

A 5 de Fevereiro de 1767, foi nomeado tenente-coronel. Quando completou 25 anos estava em Valença e foi destacado para a praça de Almeida. A pedido de Simon Fraser elaborou uma carta físico-matemática sobre: “A Teoria da Pólvora em Geral, e a Determinação do Melhor Comprimento da Peças em Particular”. Essa carta foi apresentada ao conde Lipe que, ao verificar que nela estavam citadas algumas autoridades que não constavam do plano de estudos militares, terá repreendido  Anastácio da Cunha embora,  mais tarde ter chegado a reconhecer o seu mérito. Com essa carta  José Anastácio da Cunha dava a conhecer as suas excepcionais aptidões. 

Em 1773, quando já tinha 29 anos, foi nomeado pelo Marquês de Pombal como Lente de Geometria na Universidade de Coimbra, cargo que exerceu durante um período de 5 anos. Nessa altura, o ensino de geometria era feito através da tradução dos "Elementos de trigonometria e álgebra" de José Monteiro Rocha, tradução que José Anastácio da Cunha achava demasiado longa e complicada. Decidiu então utilizar uma outra, elaborada por si, e que tinha a particularidade de ter apenas uma única folha. 

Apesar disso, não ficou muito satisfeito e apresentou na congregação da Faculdade de Matemática a 20 de Abril de 1776, um  “Compendio de Ellementos praticos” de geometria, um método mais leve e fácil de maneira a ensinar facilmente. Este método  ficou à espera de ser analisado por outros professores da faculdade embora nunca tivesse havido qualquer  comentário. Tratava-se já da obra Principios Mathematicos

Em 1777, acabou a sua carreira universitária e, em 1778, foi denunciado à inquisição.  Foi detido a 26 de Junho pela inquisição de Coimbra, e no dia 1 de Julho entrou no cárcere. A 9 de Setembro foi lida a acusação, e a 15 de Setembro estavam concluídos os autos. Nesse mesmo dia foram analisados pela Mesa do Santo Ofício de Coimbra os autos, culpas e confissões do acusado. A 6 de Outubro, a Mesa do Conselho Geral do Santo Ofício confirmou as penas estabelecidas por Coimbra e determinou-as. Também nesse dia leu-se a sentença no auto – da – fé.

J. A. da Cunha foi acusado de se ter relacionado com  camaradas militares protestantes ingleses, de ter lido Voltaire, Rousseau, Hobbes e outros autores que defendiam o deísmo, indeferentismo e tolerantismo e de ter emprestado a uma sua discípula  livros que estavam impregnados de “filosofismo”. Anastácio da Cunha foi também acusado de comer carne em dias proibidos, de manter em sua casa uma amanceba, de assistir com pouca reverência na igreja e de dispensar os preceitos da mesma.

Foi condenado a concluir reclusão por três anos na Casa das Necessidades da Congregação do Oratório de Lisboa, seguindo de quatro anos de degredo para Évora e ficou ainda interdito de entrar em Coimbra e em Valença.



 J. A. da Cunha, começou a cumprir a  sentença a 11 de Outubro. Embora tivesse sido condenado a três anos na Congregação do Oratório, só chegou a cumprir dois, tendo-lhe sido perdoado o outro ano que lhe restava. 

A 21 de Janeiro de 1781 foi libertado e foram-lhe perdoados os quatro anos de degredo em Évora. O período de reclusão poderá ter sido aproveitado para aperfeiçoar os “ Principios Mathematicos”.

Em 1781, Anastácio da Cunha estava desempregado porque a Universidade de Coimbra não voltou a pedir os seus serviços. Só a  26 de Novembro de 1778 é que foi nomeado para assistente da disciplina de Geometria tendo passado a definitivo a 1 de Outubro de 1783.

 Em Fevereiro desse ano, foi nomeado assistente do curso matemático e regente dos estudos do colégio de S. Lucas da Casa Pia de Lisboa, onde alguns dos fascículos de Principios Mathematicos já serviam para leccionar.  Deve-se também a Anastácio da Cunha o plano de estudos da Casa Pia antes do ano 1783 que pretendiam fornecer aos alunos fortes bases científicas. Sabe-se ainda que, quando morreu, Anastácio da Cunha  já não exercia quaisquer funções na Casa Pia pois o seu cargo já tinha sido extinto.

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Da sua vida social apenas se sabe que frequentava alguns saraus literários no palácio da família Freire de Andrade. Sabe-se que sofria de prisão urinária e que acabou por morrer de ataque biliar a 1 de Janeiro de 1787 quando faltavam dois anos para a revolução francesa. Tinha então 43 anos de idade e, nessa altura, residia na calçada do Senhor Jesus da Boa Sorte nessa mesma Freguesia. Viveu os últimos tempos da sua vida angustiado e amargurado com as injustiças e ingratidões de que sempre foi alvo.

Os Principios Mathematicossó foram publicados posteriormente, no ano de 1790. No entanto, a obra conseguiu algum impacto entre a comunidade matemática europeia em virtude de dela ter sido feita uma tradução francêsa.

    Para além das obras referidas, José Anastácio da Cunha deixou várias outras obras sobra assuntos matemáticos. Um artigo bibliográfico do séc. XIX contém uma lista de quinze títulos em que se inclui ainda um breve Ensaio sobre os Principios da Mechanica, também publicado postumamente.  

    

 

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt