As Matemáticas Árabes
A escola matemática de Bagdad, desenvolveu ao longo de dois séculos, uma imensa actividade. No início, a assimilação da herança das culturas grega e oriental, estiveram em primeiro plano. Os mais importantes trabalhos de Euclides, Arquimedes e muitos outros foram traduzidos para árabe, a partir de originais ou de traduções sírias. Muitas obras foram traduzidas várias vezes, como é o caso dos Elementos de Euclides. Os investigadores que participaram nas traduções, foram acrescentando vários comentários, contribuindo desta forma para o desenvolvimento das matemáticas. Os conhecimentos vindos da Índia, e mais tarde da China, também tiveram grande peso no desenvolvimento das ciências matemáticas.
Para além dos problemas cuja natureza se liga ao quotidiano, como os que se relacionam com o comércio, as finanças, as partilhas de heranças, cálculos de arquitectura, etc., foi a astronomia que teve um papel preponderante no progresso das matemáticas. Os matemáticos do mundo islâmico, eram frequentemente astrónomos. A construção de instrumentos científicos atingiu um alto grau de perfeição, sendo disso exemplo a clepsidra. Os observatórios astronómicos estavam equipados com os instrumentos mais perfeitos da época, donde resultava uma grande exigência de perfeição dos cálculos. As viagens a países longínquos, bem como as longas travessias marítimas, impulsionaram o progresso da astronomia e da geografia. Os problemas que interessavam à escola matemática de Bagdad desde o seu início, pertenciam portanto, aos seguintes domínios: aritmética comercial, cálculo de figuras geométricas, cálculo de construções por aproximação, trigonometria e álgebra numérica.
Apesar da proximidade de interesses e objectivos dos países islâmicos com a Índia e a China, o legado clássico produziu as grandes diferenças. As regras de cálculo dos indianos e chineses, foram transformadas em meios mais eficazes para resolver e generalizar os problemas, tendo muitas vezes originado o desenvolvimento de toda uma teoria. Do mesmo modo, as novas ideias que foram tomando forma nos comentários às obras clássicas permitiram por exemplo que a teoria das proporções de Eudoxe e Euclides fosse substituída por uma outra que supunha um conceito mais lato de número real e correspondia melhor às novas exigências da ciência e das suas aplicações.
De todas as obras clássicas, os Elementos de Euclides foi a que teve o papel mais importante no desenvolvimento da cultura matemática islâmica. Mais de cinquenta matemáticos desde o fim do séc. VIII, até meio do séc. XV, traduziram e comentaram esta obra.
O filósofo Abū Nasr Muhammad ibn Muhammad al-Farābī (870 - 950) teve um papel fundamental. O seu interesse pelos Elementos explica-se pela importância que neles têm os conceitos fundamentais da Geometria e da Aritmética, ou seja, conceitos que têm um lugar importante nas obras de Aristóteles. Na sua obra Šarh al-mustağlaq min musādarāt al-maqāla al-ulā wa-l-hāmisa min Uqlīdis (Comentários das dificuldades encontradas nas introduções aos Livro I e V de Euclides), al-Farābī escreve, a propósito das definições de ponto, linha e superfície, o seguinte: “Devemos começar o estudo com um corpo concreto e considerar em seguida um corpo separado das percepções sensíveis que lhe estão ligadas; chegamos então à superfície, à linha e finalmente ao ponto.” [1]. Estas defnições são claramente baseadas na concepção de Aristóteles, segundo a qual, os conceitos matemáticos são tirados por abstracção das propriedades das coisas reais. O facto de al-Farābī chamar a atenção para as obras de Aristóteles influenciou muitos trabalhos matemáticos posteriores, como por exemplo os de al-Khayyām (1048-1131).
No final do século IX os clássicos gregos eram perfeitamente conhecidos e os investigadores estudaram-nos e comentaram-nos repetidamente. Uma das mais importantes ideias que apreenderam foi a noção de prova. Apreenderam que não se pode considerar um problema matemático resolvido a não ser que possa demonstrar-se que a solução é válida. Mas como demonstrar um problema algébrico? As únicas provas que os gregos utilizaram eram geométricas. Como se sabe, foi da geometria que, fundamentalmente, os gregos gregos se ocuparam, não da álgebra. Daí que, para justificar regras algébricas, seria necessário fazê-lo através da geometria.
Os domínios mais relevantes no desenvolvimento das matemáticas árabes foram, essencialmente:
O desenvolvimento
completo do sistema decimal, incluindo decimais;
A sistematização
do estudo da álgebra;
O início do estudo
das relações entre a álgebra e a geometria;
A partir das
regras da combinatória (Índia), a reestruturação num sistema abstracto;
Alguns avanços
importantes no estudo da trigonometria plana e esférica.
Tentar-se-á apresentar os desenvolvimentos referidos nos três primeiros pontos a partir do estudo das obras e dos autores que mais contribuíram nesses domínios.