Distinguem-se, usualmente, duas fases na obra
de M. C. Escher.
Antes de 1937, a obra de Escher é puramente
pictórica, dominada pela representação da realidade visível,
orientada inteiramente pela beleza das paisagens e arquitectura
italianas. Trata-se de um realismo agudo mas que, ao mesmo tempo,
denota um modo muito próprio de observar o real, visível, sobretudo,
na obsessão que tem com a estrutura do espaço e a escolha de ângulos
de visão, muitas vezes contrastantes. Nesta fase, Escher realiza
também obras imaginativas, como
Castelo no Ar
(1928) e
Torre de
Babel (1928) e dedica-se
empenhadamente ao domínio das técnicas de gravura. Ele próprio
considera a maioria dos seus trabalhos como exercícios gráficos.
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A partir de 1937, o pitoresco e o real deixam de lhe
interessar. Agora, está fascinado com a regularidade e as estruturas
matemáticas, a continuidade e o infinito inerente a todas as imagens,
a
reprodução de três dimensões sobre uma superfície bidimensional.
Escher fixa-se nas construções da sua própria
imaginação e as suas obras passam a exprimir aquilo que ele próprio
designa por “pensamento visual”. Trabalha com formas geométricas que
encontra nos mosaicos islâmicos e nas formações cristalinas. Procura dar vida a esses padrões, substituindo formas abstractas
por elementos reconhecíveis como animas, plantas ou pessoas.
Os seus cadernos enchem-se de séries
contínuas desses elementos, combinados de formas variadas, num
processo que se poderia repercutir até ao infinito. A animação desses
padrões conduz à série
Metamorfoses, em que as várias estruturas se
transformam sucessivamente umas nas outras.
Se até à fase anterior não seria necessário
muito esforço para compreender a obra de um artista cujas paisagens eram, ao
mesmo tempo, poéticas e cativantes e cujos retratos eram de grande
expressividade, depois de 1937, a crítica de arte passa a ter
dificuldade em falar dos seus trabalhos. Situação que não afecta
Escher. Na verdade, apesar de os
seus
trabalhos não serem bem recebidos e de, mesmo no seu círculo mais
próximo, ter poucos admiradores, Escher continua a seguir o seu
caminho, aparentemente
insensível à crítica. Ocupa-se com ideias de regularidade, estrutura,
continuidade. O seu espanto sobre a forma como os
objectos se deixam representar sobre uma superfície é inesgotável. Escher não
consegue expressar estas ideias em palavras mas, em imagens é capaz de
as tornar claras. Daí que a sua obra possa ser considerada de “alto
grau racional, porém, minimamente literária no sentido de que ele
parafraseia em imagens as coisas que não poderiam ser reproduzidas em
palavras” (Ernst, 1978, p.16).
Quem considera a arte como uma expressão de
sentimentos, terá de recusar esse estatuto à obra de Escher. Ela é
determinada pela razão, tanto ao nível do objectivo, como da execução.
Neste sentido, a maior parte das suas gravuras possuem o carácter de uma
investigação.
Como o próprio Escher confessa:
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“Se soubessem só o que eu vi na
escuridão da noite...fiquei por vezes louco de mágoa por não
poder representar. Em comparação com isso, é cada estampa um
malogro que nem sequer reproduz uma fracção daquilo que devia
ser.”
(cit. in Ernst, 1978, p.16) |
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Ora, o que importa sublinhar é que aquilo
que Escher vê "na escuridão da noite" são leis matemáticas, leis que,
como ele diz, não são invenções ou criações humanas, mas entidades
independentes que cabe ao homem apenas contemplar:
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“Posso alegrar-me, com boa
consciência, com esta perfeição e testemunhá-la, pois não fui
eu que a inventei ou mesmo descobri. As leis matemáticas não
são nenhumas invenções ou criações humanas. Elas são, elas
existem completamente de forma independentemente da mente humana. O
mais que uma pessoa lúcida pode descobrir é que elas estão lá
e raciocinar sobre o assunto.”
(cit. in Ernst, 1978, p.35) |
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