Hoje em dia, no final do século XX, seria quase insultuoso perguntar a alguém se sabe quem foi Albert Einstein. Einstein é o paradigma da genialidade. A questão é que, tal como a física, também a matemática teve o seu génio ímpar, o seu Einstein. E, no entanto, alguém se sentiria insultado se se lhe perguntasse se conhecia Henri Poincaré? Ora, dificilmente se encontrará, na história da ciência dos últimos dois séculos, figura mais próxima do próprio arquétipo do génio científico do que Henri Poincaré. Ele foi, sem dúvida, o maior matemático do nosso tempo, e, enquanto tal, merece um lugar no pedestral dos muito grandes homens de ciência, ao lado de um Galileu (1564 - 1642), de um Newton (1642 - 1727), de um Darwin (1809 - 1882) ou de um Einstein (1879 - 1955). Todo o altaneiro edifício da matemática do século XX é, em última análise, herança intelectual de Henri Poincaré. Poincaré dedicou vários anos de vida à topologia, criando a maioria dos temas centrais. Outros prosseguiram este trabalho: mais definições, mais teoremas, mais abstracção. Mas foram dele as intuições fundadoras. Numa primeira análise a topologia parece extremamente abstracta. Um pouco como um javali bebé, bonito para os poucos que o amam, mas sem interesse para mais ninguém. Todavia, Poincaré pôde ver um mundo maravilhoso sob a pele do javali. Dispunha da vastidão da experiência matemática, tanto teórica como aplicada, para ver o potencial de uma teoria rigorosa do contínuo. Por vezes, é necessário um universalista para discernir o que é realmente importante: mais ninguém dispõe de todas as peças. Em todas as direcções para que se virou, Poincaré deparou com questões que só a topologia poderia resolver: no trabalho de teoria dos números, em análise complexa, nas equações diferenciais. E no problema do rei Óscar. Tinha o aspecto suave e confuso de um professor distraído. Mas era um gigante intelectual. Com um pé no século XIX e outro no século XX, transpôs um dos pontos de viragem da história da matemática. Chamava-se Henri Poincaré. Talvez o último matemático capaz de deambular à vontade através de qualquer recanto da imensa topografia deste ramo do conhecimento.
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Olga Pombo: opombo@fc.ul.pt
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