Euler, o matemático mais produtivo de sempre
Euler legou à posteridade um número assombroso de trabalhos sobre as mais diversas áreas, da Engenharia à Mecânica, da Óptica à Astronomia, da Música à Matemática (curvas, séries, cálculo de variações, cálculo infinitesimal, Geometria, Álgebra).
Euler (1707-1783)
Produziu tanto durante a sua vida que durante quase 50 anos depois da sua morte, os seus artigos continuaram a ser publicadas na Academia de S. Petersburgo. A lista bibliográfica das suas obras, incluindo itens póstumos, contém 886 títulos. A sua pesquisa Matemática chegava a ser, em média, de 800 páginas por ano, durante toda a sua vida.
No tempo em que esteve em Berlim, Euler ganhou o hábito de escrever artigos e colocá-los numa pilha. Sempre que era necessário material para as publicações da Academia eram retirados artigos da mesma. Como a produção de Euler era superior às publicações, os artigos na base demoravam muito a ser publicados. Isso explica o facto de quando alguns artigos surgirem, extensões e melhorias dos mesmos já terem sido publicadas antes, com a assinatura de Euler.
Jamais algum matemático terá superado a produção deste homem. Como tal, iremos referir somente algumas das contribuições de Leonard Euler para a ciência.
Uma das suas maiores contribuições foi ao nível das notações:
“(...) numa exposição manuscrita dos seus
resultados, escrita provavelmente em 1727 ou 1728, Euler usou a letra e
mais de uma dúzia de vezes para representar a base do sistema de logaritmos
naturais.” (Boyer, 1974, p.326). Apesar da base e ser já conhecida
há um século, desde a invenção dos logaritmos, não havia sido padronizada
uma notação. E é numa carta dirigida a Goldbach (1690-1764), em 1731, que Euler mencionou o e como “(...) aquele número cujo
logaritmo hiperbólico [é] igual a 1.” (Smith citado em Boyer, 1974, p.
326).
Livro Mechanica (1736/1737) de Euler |
Em
1736, quando publicou o seu livro Mechanica, onde a dinâmica de Newton (1642-1727) foi apresentada de forma analítica, foi
impresso pela primeira vez o número e. A partir deste momento, a notação
do número foi facilmente aceite e adoptada nos cálculos matemáticos, bem como
a padronização da denominação de “exponencial”.
Newton (1642-1727) |
A
Euler também se atribui o uso definitivo da letra grega p
como notação para a razão da circunferência e para o diâmetro do círculo.
Não foi o primeiro matemático a utilizá-la, pois há registo de
uma outra ocorrência em 1706, mas foi o primeiro a reconhecer a sua importância
e utilidade. Digamos que, “foi a adopção do símbolo p
por Euler em 1737, e mais tarde em seus muitos e populares livros de texto, que
o tornou largamente conhecido e usado.” (Boyer, 1974, p. 326)
A
introdução do símbolo i para Ö
(-1) foi mais uma notação adoptada em 1777,
quase no fim da sua vida. Mas, só ficou conhecida em 1794 quando publicada numa obra posterior à sua morte.
Wallis (1614-1705) |
Inicialmente, o
fundamento da utilização baseava-se em representar um número infinito, tal
como Wallis (1616-1705) usara o ¥.
Desta maneira, Euler apresentava
ex = lim (1 + x/i) i
onde, actualmente se
escreve
ex = lim (1 + x/n)n.
Mas somente após a adopção, por parte de
Gauss (1777 - 1856), do símbolo i no seu livro
Disquisitiones Arithmeticae em 1801, é que se assegurou a sua
utilização nas notações Matemáticas.
Gauss (1777-1856) |
Após a “apresentação” dos símbolos, cuja introdução e adopção se devem a
Euler, foi possível combinar os
números e, p
e i com o 0 e o 1 na mais célebre igualdade que contém
os cinco números:
e pi
+ 1 = 0
Esta,
revela uma importante relação entre os mesmos.
A Euler
também
é associada a introdução das seguintes notações:
- A sexta constante mais importante da Matemática, a Constante
de Euler, g;
- O logaritmo de x, ln
x;
- O uso da letra å
para a adição;
- f(x) para uma função de x.
Segundo Boyer (1974), as nossas notações
são hoje assim mais por causa de Euler do que qualquer outro matemático. Fica
no ar se a afirmação se deveu à persuasão de Euler ou se foi devido à
facilidade com que encarou e anotou conteúdos matemáticos.
* * *
É evidente que
o seu reconhecimento na Matemática moderna não se reduz à introdução
de números importantes e posterior
aceitabilidade da notação. Há mais áreas
da Matemática em que o seu contributo foi notório, que vão
desde a Geometria à Análise, passando pela Álgebra e Trigonometria. Em cada
uma delas é usada uma terminologia própria e muitas vezes vêm mencionados os
símbolos
referidos anteriormente.
Geometria
Na área da Geometria, numa primeira abordagem, o seu reconhecimento deve-se ao uso das letras minúsculas a, b, c para os lados de um triângulo e das maiúsculas correspondentes A, B, C para os ângulos opostos, bem como a aplicação das letras r, R e s para o raio dos círculos inscrito e circunscrito e o semiperímetro do triângulo, respectivamente. Há a destacar, também, a “(...) bela fórmula (...)” (Boyer, 1974, p. 326):
4rRs = abc
que relaciona os seis comprimentos, referidos anteriormente, embora hajam resultados semelhantes na Geometria da Antiguidade.
No campo da Geometria Sintética o seu contributo não foi muito, apesar de actualmente se considerar a recta que contém o circuncentro, o ortocentro e o baricentro de um triângulo, como a recta de Euler.
Em
Geometria Analítica fez-se notar, a partir de 1728, por usar coordenadas no espaço,
por dar equações gerais para três
grandes classes de superfícies – cilindros, cones e superfícies de revolução
- e por definir o arco mais
curto (geodésica) entre dois pontos de uma superfície cónica.
Análise e Cálculo
Os contributos de Euler no ramo da análise e do cálculo fizeram-se notar com a introdução de uma nova abordagem à resolução de equações diferenciais.
“Euler
foi, sem dúvida, o maior responsável pelos métodos de resolução usados hoje
nos cursos introdutórios sobre equações diferenciais, e até muitos dos
problemas específicos que aparecem em livros de texto de hoje remontam aos
grandes tratados que Euler escreveu sobre o Cálculo – Institutiones
Calculi Differentialis (1755) e Institutiones Calculi Integralis (1768
– 1770, 3 volumes)”. (Boyer, 1974, p. 333)
Através
destes quatro volumes, deu a conhecer o uso de factores
integrantes, os métodos sistemáticos para resolver equações lineares de
ordem superior com coeficientes constantes, bem como a distinção entre equações
lineares homogéneas e não-homogéneas, e entre solução particular e solução
geral. Foi, desde então, que se pode afirmar que o tratamento mais
completo realizado na área do cálculo se deveu a Euler.
Probabilidades
O
interesse de Euler pelo estudo das Probabilidades, impulsionado por Daniel
(1700-1782) e
Nicolaus Bernoulli, também se fez notar. Escreveu sobre expectativas de vida, o valor de uma anuidade, lotarias, entre
outros aspectos da vida em sociedade e como seria previsível, contribuiu,
também, com algumas notações.
* * *
Introduction in
Analysin Infinitorum
Uma parte significativa do trabalho de Euler foi publicada na obra Introduction in Analysin Infinitorum. Nela, Euler revelou um grande domínio na Análise, que fez com que esta obra fosse considerada como a “(...) chave de abóbada da análise.” (Boyer, 1974, p. 327). Publicada em dois volumes, em 1748, serviu para mostrar alguns dos desenvolvimentos na Matemática que se deram durante a segunda metade do século XVIII.
No primeiro volume desta obra, foi apresentado:
O
tratamento analítico das funções trigonométricas, bem como a
respectiva notação: sen x, cos x, tg x, cotg x.
A título de exemplo, a função seno já não era considerada um segmento de
recta, mas sim um número ou uma razão: era possível apresentá-la como a
ordenada de um ponto sobre o círculo unitário, ou através de um número
definido pela série
z - z3/3! + z5/5! + ...
para um determinado valor de z.
As identidades de
Euler
sen x = [eÖ(-1)x
– e-Ö(-1)x]
/ 2Ö(-1)
cos x = [eÖ(-1)x
+ e-Ö(-1)x]
/ 2
eÖ(-1)x
= cos x + Ö(-1)
sen x
que constituem instrumentos familiares da Análise,
obtêm-se
através das séries infinitas para ex , sen x e cos x.
“As funções transcendentes
elementares – trigonométricas, logarítmica, trigonométricas inversas e
exponencial – eram escritas e pensadas praticamente na forma em que são
tratadas hoje. As abreviações sin, cos, tang, cot, sec e cosec, que foram
usadas por Euler (...), são mais próximas das formas actuais em inglês do que
as abreviações correspondentes das línguas latinas. Além disso, Euler foi
dos primeiros a tratar os logaritmos como expoentes, do modo hoje tão
familiar.” (Boyer, 1974, p. 327)
Leibniz (1646-1716) |
Processos infinitos, em que se destacam as séries infinitas.
Apesar de apresentar a generalização das ideias de Newton, Leibniz (1646-1716)
e dos
irmãos Bernoulli, Euler foi capaz de obter resultados que tinham “escapado” a
outros matemáticos, mesmo sendo um pouco descuidado no cálculo
de séries divergentes.
Um dos resultados é a Soma
dos Recíprocos dos Quadrados Perfeitos, que
desafiou os irmãos Bernoulli durante alguns anos.
O resultado
sobre a soma dos recíprocos dos quadrados dos inteiros data de 1736, apesar de
ter sido publicada, somente, 11 anos depois. O seu interesse por este género de séries
sempre foi grande.
Foram publicadas, também, somas de recíprocos de outras potências dos
inteiros, por exemplo, as somas dos recíprocos de potências
pares desde n = 2 até n = 26.
Segundo Boyer (1974), as séries de recíprocos
de potências ímpares são tão intratáveis que ainda não se sabe se a soma
dos recíprocos dos cubos dos inteiros positivos é ou não um múltiplo
racional de p3,
ao passo que Euler sabia que para a 26ª potência a soma dos recíprocos é
O
arrojado desempenho que demonstrou no tratamento das séries
contribuiu para que Euler relaciona-se a Análise com a Teoria dos Números.
Sem se preocupar com os perigos que as séries alternadas revelam, obteve
resultados como:
p
= 1 + ½ + 1/3 + ¼ - 1/5 + 1/6 + 1/7 + 1/8 + 1/9 – 1/10 + ...
em que o sinal
de cada um dos termos obedece à regra de: se o denominador for um primo da
forma 4m-1, o sinal é mais, se o denominador é um número composto (produto de
dois primos), usa-se o
sinal dado pelo produto dos sinais das componentes;
ln ¥
= 1 + ½ + 1/3 + ¼ + ...;
1/ln ¥
= 0 = 1 – ½ -1/3 – 1/5 + 1/6 – 1/7 + 1/10 - ...
em que os recíprocos de primos
têm sinal menos e os recíprocos
de produtos de dois primos distintos têm sinal mais;
0 = ½ * 2/3 * 4/5 * 6/7 * 10/11 * 12/13 * 16/17 * 18/19 *...;
¥
= 2/1 * 3/2 * 5/4 * 7/6 * 11/10 * 13/12 * 17/16 * 19/18 * ...
em que o símbolo
¥
é denotado como o recíproco do número 0.
No segundo volume da obra Introductio in Analysin Infinitorum:
Euler
deu uma teoria geral de curvas, baseada no conceito de função, tema central
no primeiro volume;
A
introdução das funções
trigonométricas como parte integrante da geometria analítica, não foi esquecida, bem como algumas funções não tão
comuns como:
y =
x x , y x = x
y e y = (-1) x ;
O
uso de coordenadas polares;
Classes completas de curvas, tanto algébricas como
transcendentes;
Uma
maneira
de transformar as coordenadas polares em coordenadas rectangulares, que são
dadas em forma trigonométrica estritamente moderna;
A
representação paramétrica
de curvas.
* * *
Euler e os outros Matemáticos
Foram
vários os matemáticos que trocaram ideias com Euler. Vejamos dois deles,
d'Alembert e Fermat:
Euler e d'Alembert
O trabalho entre Euler e d’Alembert (1717-1783) sempre convergiu no mesmo sentido. Os seus interesses eram quase os mesmos, apesar de ter havido alguma controvérsia entre eles sobre o problema das membranas vibrantes, em 1757, cuja solução da equação de Bassel Euler conseguiu obter, o que ocasionou um afastamento. Mas, com a teoria dos números houve um grande apoio por parte de d’Alembert a Euler.
A contribuição de Euler para a teoria dos logaritmos não se restringiu à definição de expoentes, como usamos hoje. Trabalhou, também, no conceito de logaritmo de números negativos.
Em cartas enviadas a
Jean Bernoulli
(1667-1748), em 1740, Euler
usou expoentes imaginários
ao escrever
exÖ(-1)
– e-xÖ(-1)
= 2 cos x.
Enquanto se mantinha ocupado a pesquisar Matemática em Berlim, d’Alembert pesquisava em Paris. Em 1747, Euler escreveu a este matemático francês explicando correctamente a questão dos logaritmos dos números negativos. Mas ao contrário do que seria de se esperar, a fórmula
eqi = cos q + i sen q,
válida para qualquer ângulo (em radianos), não foi compreendida por Jean Bernoulli nem por d’Alembert pois, para estes os logaritmos de números negativos eram reais, o que não é verdade já que se tratam de números imaginários puros.
d'Alembert (1717-1783)
Através da sua identidade – mais tarde conhecida como Igualdade de Euler – é possível observar que os logaritmos de números complexos, reais ou imaginários, também são números complexos.
Usando as identidades de Euler é também possível expressar quantidades como sen (1 + i) ou cos (i), na forma usual para números complexos. Desta maneira, vê-se que ao efectuar operações transcendentes elementares sobre os números complexos, os resultados são números complexos.
Assim sendo, Euler foi capaz de demonstrar que o sistema de números complexos é fechado sob as operações transcendentes elementares, enquanto d’Alembert sugerira que o sistema de números complexos era algebricamente fechado.
A definição das funções Beta e Gama, através dos integrais eulerianos, permitiu a aceitabilidade destas funções transcendentes, tornando-se parte integrante do cálculo avançado e da Matemática aplicada. Um século depois, a função beta foi generalizada por Tchebycheff (1821 – 1894), e a sua aplicabilidade foi fomentada, principalmente no cálculo de probabilidades.
Também foi possível a Euler mostrar que uma potência imaginária de um número imaginário pode ser um número real. Tal é dado a conhecer através de uma carta, datada de 1746, a Goldbach, em que escreveu um resultado notável:
ii = e -p/2
Euler e Fermat
Tanto Fermat (1601-1665) como Euler sentiram-se bastante interessados pela teoria dos números. Embora não haja qualquer livro sobre este assunto, Euler escreveu cartas e artigos sobre vários aspectos desta teoria. Entre elas encontramos as conjecturas apresentadas por Fermat, que foram derrubadas por Euler.
Duas dessas conjecturas foram:
Os números da forma 2 2n + 1 são sempre primos;
Se p é primo e a um inteiro, então ap – a é divisível por p.
A primeira foi derrubada em 1732 com o auxílio do seu domínio em computação, evidenciando que 2 2*5 + 1 = 4294967297 é factorizável em 6700417 * 641.
No entanto, no recurso a um contra-exemplo para deitar por terra a segunda conjectura, Euler também errou, apesar do erro só ter sido descoberto em 1966, dois séculos depois e com o auxílio de um computador.
Fermat (1601-1665)
Euler também realizou a demonstração de uma conjectura bastante conhecida, denominada como Pequeno Teorema de Fermat. (Clique para ver a demonstração). Tal demonstração foi apresentada numa publicação em 1736, denominada Commentarii. Posteriormente, demonstrou uma afirmação mais geral do Pequeno Teorema de Fermat, que veio a chamar-se Função de Euler.
Mas, contrariando o que seria esperado, Euler não foi capaz de demonstrar o Último Teorema de Fermat, embora provasse a impossibilidade de soluções inteiras de xn + yn = zn para n = 3.
Em 1747, definiu mais vinte e sete números amigáveis, que se juntaram aos três já conhecidos por Fermat. Mais tarde aumentou o número para sessenta.
Euler também provou que todos os números perfeitos pares são da forma dada por Euclides (séc. III aC), 2 n-1 (2n – 1), onde 2n – 1 é primo. Se existe ou não um número ímpar perfeito foi uma questão levantada por Euler e Goldbach, através de correspondência, ainda hoje sem resposta.
“Euler
não só contribuiu para a teoria dos números como também escreveu um popular
texto de álgebra que apareceu em edições alemãs e russas em S. Petersburgo
em 1770 – 1772, em francês em 1774, e em numerosas outras versões, inclusive
edições americanas em inglês. As qualidades excepcionalmente didácticas da Álgebra
de Euler são atribuídas ao facto de ter sido ditada pelo autor cego a pessoa
relativamente desesperada.” (Boyer, 1974, p. 337)
* * *
As
contribuições de Euler abrangeram muitas outras áreas. O seu domínio na
Matemática permitiu-lhe desenvolver grandes
avanços no campo da Astronomia, em que se inclui a determinação da órbita de
cometas e planetas, baseando-se em poucas observações, métodos de cálculo da
paralaxe do Sol, a teoria da refracção, considerações sobre a natureza dos
cometas, entre outros aspectos.
Podem-se ainda referir trabalhos que aliavam a Matemática à música (apesar de serem pouco conhecidos) e em cartografia.
Como nota final sobre a obra de Euler, é correcto citar Boyer (1974, p.326):
“Pode ser dito com justiça que Euler fez pela análise infinita de Newton e Leibniz [e por áreas importantes da Matemática] o que Euclides fizera pela geometria de Eudoxo e Teaetetus, ou o que Viète fizera pela álgebra de al-Khowarizmi e Cardano.”