Euler, o matemático mais produtivo de sempre

 

Euler legou à posteridade um número assombroso de trabalhos sobre as mais diversas áreas, da Engenharia à Mecânica, da Óptica à Astronomia, da Música à Matemática (curvas, séries, cálculo de variações, cálculo infinitesimal, Geometria, Álgebra).

Euler (1707-1783)  

Produziu tanto durante a sua vida que durante quase 50 anos depois da sua morte, os seus artigos continuaram a ser publicadas na Academia de S. Petersburgo. A lista bibliográfica das suas obras, incluindo itens póstumos, contém 886 títulos. A sua pesquisa Matemática chegava a ser, em média, de 800 páginas por ano, durante toda a sua vida.

No tempo em que esteve em Berlim, Euler ganhou o hábito de escrever artigos e colocá-los numa pilha. Sempre que era necessário material para as publicações da Academia eram retirados artigos da mesma. Como a produção de Euler era superior às publicações, os artigos na base  demoravam muito a ser publicados. Isso explica o facto de quando alguns artigos surgirem, extensões e melhorias dos mesmos já terem sido publicadas antes, com a assinatura de Euler.

Jamais algum matemático terá superado a produção deste homem. Como tal, iremos referir somente algumas das contribuições de Leonard Euler para a ciência.

Uma das suas maiores contribuições foi ao nível das notações:

Segundo Boyer (1974), as nossas notações são hoje assim mais por causa de Euler do que qualquer outro matemático. Fica no ar se a afirmação se deveu à persuasão de Euler ou se foi devido à facilidade com que encarou e anotou conteúdos matemáticos. 

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É evidente que o seu reconhecimento na Matemática moderna não se reduz à introdução de  números importantes e posterior aceitabilidade da notação. Há mais áreas da Matemática em que o seu contributo foi notório, que vão desde a Geometria à Análise, passando pela Álgebra e Trigonometria. Em cada uma delas é usada uma terminologia própria e muitas vezes vêm mencionados os símbolos referidos anteriormente. 

        Geometria

 Na área da Geometria, numa primeira abordagem, o seu reconhecimento deve-se ao uso das letras minúsculas a, b, c para os lados de um triângulo e das maiúsculas correspondentes A, B, C para os ângulos opostos, bem como a aplicação das letras r, R e s para o raio dos círculos inscrito e circunscrito e o semiperímetro do triângulo, respectivamente. Há a destacar, também,  a “(...) bela fórmula (...)” (Boyer, 1974, p. 326): 

                    4rRs = abc  

que relaciona os seis comprimentos, referidos anteriormente, embora hajam resultados semelhantes na Geometria da Antiguidade. 

No campo da Geometria Sintética o seu contributo não foi muito, apesar de actualmente se considerar a recta que contém o circuncentro, o ortocentro e o baricentro de um triângulo, como a recta de Euler

Em Geometria Analítica fez-se notar, a partir de 1728, por usar coordenadas no espaço, por dar equações gerais para três grandes classes de superfícies – cilindros, cones e superfícies de revolução - e por definir o arco  mais curto (geodésica) entre dois pontos de uma superfície cónica. 

        Análise e Cálculo  

Os contributos de Euler no ramo da análise e do cálculo fizeram-se notar com a introdução de uma nova abordagem à resolução de equações diferenciais. 

“Euler foi, sem dúvida, o maior responsável pelos métodos de resolução usados hoje nos cursos introdutórios sobre equações diferenciais, e até muitos dos problemas específicos que aparecem em livros de texto de hoje remontam aos grandes tratados que Euler escreveu sobre o Cálculo – Institutiones Calculi Differentialis (1755) e Institutiones Calculi Integralis (1768 – 1770, 3 volumes)”. (Boyer, 1974, p. 333)

Através destes quatro volumes, deu a conhecer o uso de factores integrantes, os métodos sistemáticos para resolver equações lineares de ordem superior com coeficientes constantes, bem como a distinção entre equações lineares homogéneas e não-homogéneas, e entre solução particular e solução geral. Foi, desde então, que se pode afirmar que o tratamento mais completo realizado na área do cálculo se deveu a Euler. 

        Probabilidades  

O interesse de Euler pelo estudo das Probabilidades, impulsionado por Daniel (1700-1782) e Nicolaus Bernoulli, também se fez notar. Escreveu sobre expectativas de vida, o valor de uma anuidade, lotarias, entre outros aspectos da vida em sociedade e como seria previsível,  contribuiu, também, com algumas notações.

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        Introduction in Analysin Infinitorum
 

Uma parte significativa do trabalho de Euler foi publicada na obra Introduction in Analysin Infinitorum. Nela, Euler  revelou um grande domínio na Análise, que fez com que esta obra fosse considerada como a “(...) chave de abóbada da análise.” (Boyer, 1974, p. 327). Publicada em dois volumes, em 1748, serviu para mostrar alguns dos desenvolvimentos na Matemática que se deram durante a segunda metade do século XVIII. 

No primeiro volume desta obra, foi apresentado: 

No segundo volume da obra Introductio in Analysin Infinitorum:

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        Euler e os outros Matemáticos
 

Foram vários os matemáticos que trocaram ideias com Euler. Vejamos dois deles, d'Alembert e Fermat: 

        Euler e d'Alembert 

O trabalho entre Euler e d’Alembert (1717-1783) sempre convergiu no mesmo sentido. Os seus interesses eram quase os mesmos, apesar de ter havido alguma controvérsia entre eles sobre o problema das membranas vibrantes, em 1757, cuja solução da equação de Bassel Euler conseguiu obter, o que ocasionou um afastamento. Mas, com a teoria dos números houve um grande apoio por parte de d’Alembert a Euler. 

A contribuição de Euler para a teoria dos logaritmos não se restringiu à definição de expoentes, como usamos hoje. Trabalhou, também, no conceito de  logaritmo de números negativos. 

Em cartas enviadas a Jean Bernoulli (1667-1748), em 1740, Euler usou expoentes imaginários ao escrever  

                    exÖ(-1) – e-xÖ(-1) = 2 cos x. 

Enquanto se mantinha ocupado a pesquisar Matemática em Berlim, d’Alembert  pesquisava em Paris. Em 1747, Euler escreveu a este matemático francês explicando correctamente a questão dos logaritmos dos números negativos. Mas ao contrário do que seria de se esperar, a fórmula 

                    eqi = cos q + i sen q

válida para qualquer ângulo (em radianos), não foi compreendida por Jean Bernoulli nem por d’Alembert pois, para estes os logaritmos de números negativos eram reais, o que não é verdade já que se tratam de números imaginários puros. 

d'Alembert (1717-1783)  

Através da sua identidade – mais tarde conhecida como Igualdade de Euler – é possível observar que os logaritmos de números complexos, reais ou imaginários, também são números complexos. 

Usando as  identidades de Euler é também possível expressar quantidades como sen (1 + i) ou cos (i), na forma usual para números complexos. Desta maneira, vê-se que ao efectuar operações transcendentes elementares sobre os números complexos, os resultados são números complexos. 

Assim sendo, Euler foi capaz de demonstrar que o sistema de números complexos é fechado sob as operações transcendentes elementares, enquanto d’Alembert sugerira que o sistema de números complexos era algebricamente fechado. 

A definição das funções Beta e Gama, através dos integrais eulerianos, permitiu a aceitabilidade destas funções transcendentes, tornando-se parte integrante do cálculo avançado e da Matemática aplicada. Um século depois, a função beta foi generalizada por Tchebycheff (1821 – 1894), e a sua aplicabilidade foi fomentada, principalmente no cálculo de probabilidades. 

Também foi possível a Euler mostrar que uma potência imaginária de um número imaginário pode ser um número real. Tal é dado a conhecer através de uma carta, datada de 1746,  a Goldbach, em que escreveu um resultado notável: 

                    ii = e -p/2 

        Euler e Fermat 

Tanto Fermat (1601-1665) como Euler sentiram-se bastante interessados pela teoria dos números. Embora não haja qualquer livro sobre este assunto, Euler escreveu cartas e artigos sobre vários aspectos desta teoria. Entre elas encontramos as conjecturas apresentadas por Fermat,  que foram derrubadas por Euler. 

Duas dessas conjecturas foram: 

A primeira foi derrubada em 1732 com o auxílio do seu domínio em computação, evidenciando que 2 2*5 + 1 = 4294967297 é factorizável em 6700417 * 641. 

No entanto, no recurso a um contra-exemplo para deitar por terra a segunda conjectura, Euler também errou, apesar do erro só ter sido descoberto em 1966, dois séculos depois e com o auxílio de um computador. 

Fermat (1601-1665) 

Euler também realizou a demonstração de uma conjectura bastante conhecida, denominada como Pequeno Teorema de Fermat. (Clique para ver a demonstração). Tal demonstração foi apresentada numa publicação em 1736, denominada Commentarii. Posteriormente, demonstrou uma afirmação mais geral do Pequeno Teorema de Fermat, que veio a chamar-se Função de Euler

Mas, contrariando o que seria esperado, Euler não foi capaz de demonstrar o Último Teorema de Fermat, embora provasse a impossibilidade de soluções inteiras de xn + yn = zn para n = 3. 

Em 1747, definiu mais vinte e sete números amigáveis, que se juntaram aos três já conhecidos por Fermat. Mais tarde aumentou o número para sessenta.

Euler também provou que todos os números perfeitos pares são da forma dada por Euclides (séc. III aC),  2 n-1 (2n – 1), onde 2n – 1 é primo. Se existe ou não um número ímpar perfeito foi uma questão levantada por Euler e Goldbach, através de correspondência, ainda hoje sem resposta.

“Euler não só contribuiu para a teoria dos números como também escreveu um popular texto de álgebra que apareceu em edições alemãs e russas em S. Petersburgo em 1770 – 1772, em francês em 1774, e em numerosas outras versões, inclusive edições americanas em inglês. As qualidades excepcionalmente didácticas da Álgebra de Euler são atribuídas ao facto de ter sido ditada pelo autor cego a pessoa relativamente desesperada.” (Boyer, 1974, p. 337)  

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As contribuições de Euler abrangeram muitas outras áreas. O seu domínio na Matemática permitiu-lhe desenvolver grandes avanços no campo da Astronomia, em que se inclui a determinação da órbita de cometas e planetas, baseando-se em poucas observações, métodos de cálculo da paralaxe do Sol, a teoria da refracção, considerações sobre a natureza dos cometas, entre outros aspectos. 

Podem-se ainda referir trabalhos que aliavam a Matemática à música (apesar de serem pouco conhecidos) e em cartografia. 

Como nota final sobre a obra de Euler, é correcto citar Boyer (1974, p.326):  

“Pode ser dito com justiça que Euler fez pela análise infinita de Newton e Leibniz [e por áreas importantes da Matemática] o que Euclides fizera pela geometria de Eudoxo e Teaetetus, ou o que Viète fizera pela álgebra de al-Khowarizmi e Cardano.”

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