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Lógica


    

   Numa perspectiva geral pode-se dizer que a lógica é a ciência que tem por objecto determinar, por entre todas as operações intelectuais que tendem para o conhecimento do verdadeiro,  as que são válidas e as que o não são. Numa visão mais popular, lógica é entendida como o estudo do raciocínio correcto.

    Sendo um instrumento que está ao serviço das ciências, a lógica preocupa-se fundamentalmente com o aspecto formal do raciocínio ou argumento. Hoje a lógica encontra-se dividida em lógica tradicional (origem aristotélica) e lógica moderna – conhecida também como lógica simbólica ou matemática. Não são, porém, duas disciplinas distintas, pois a lógica tradicional está contida na lógica moderna. Essa divisão deve-se a razões históricas e didácticas.

    As raízes da Lógica encontra-se na antiga Grécia. As polémicas geradas pela teoria de Parménides e os famosos argumentos de Zenão   (490 - 425 A.C.), que negavam a realidade do movimento fazendo um uso indevido do princípio da não contradição, contribuíram para a distinção dos conceitos, para se ver a necessidade de argumentar com clareza mediante demonstrações rigorosas, respondendo às objecções dos adversários. Mais tarde, as subtilezas dos sofistas, que reduziam todo o saber à arte de convencer pelas palavras, levaram Sócrates (469-399 A.C.) a defender o valor dos conceitos e tentar defini-los com precisão. Assim a Lógica como ciência vai-se formando pouco a pouco, principalmente com Sócrates e Platão (427-347 A.C.).

    É porém com Aristóteles que se dá o verdadeiro nascimento da Lógica. Para mostrar que os sofistas (mestres da retórica e da oratória) podiam enganar os cidadãos utilizando argumentos incorrectos, Aristóteles (384-322 A.C.) estuda a estrutura lógica da argumentação. Revela, assim, que alguns argumentos podem ser convincentes embora não sejam correctos. A lógica, segundo Aristóteles, é um instrumento para atingir o conhecimento científico, já que só se pode chamar de ciência aquilo que é metódico e sistemático, ou seja, lógico. Na obra Organon ("Instrumento") Aristóteles define a lógica como um método do discurso demonstrativo que  utiliza três operações da inteligência: o conceito, o juízo e o raciocínio. O conceito é a representação mental dos objectos. O juízo é a afirmação ou negação da relação entre o sujeito (o objecto) e o seu predicado. E o raciocínio é a operação que leva à conclusão sobre os vários juízos contidos no discurso. Os raciocínios podem ser analisados como silogismos, nos quais uma conclusão se segue de duas premissas. Como podemos ver no seguinte exemplo: 

 

"Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal."

“Sócrates”, “homem” e “mortal” são conceitos. “Todo o homem é mortal", Sócrates é mortal” e “Sócrates é homem” são juízos. O raciocínio é a progressão do pensamento que se dá entre as premissas “Todo homem é mortal”, “Sócrates é homem” e, a conclusão, “Sócrates é mortal”.

    Embora Aristóteles seja o mais brilhante e influente filósofo grego, outra importante tradição argumentativa se formou na antiga Grécia, com os megáricos e estóicos. Pouco conservada pela tradição, merece um melhor tratamento dos historiadores, porque o pouco que se conhece sugere que esses gregos eram altamente inteligentes.

    Os megáricos (assim designados em função de sua cidade, Mégara) interessaram-se por certos enigmas lógicos como o conhecido "paradoxo do mentiroso": quem diz "O que eu afirmo agora é falso", enuncia algo verdadeiro ou falso? Um deles, Diodoro Cronus, que morreu por volta de 307 a.C., formulou uma interessante concepção modal, relacionando possibilidade, tempo e verdade. Outro megárico, de nome Fílon, estudou proposições do tipo "Se chove então a rua está molhada", contraída com o auxílio das expressões "se..., então..." conhecidas como condicionais. Definiu-as em termos extremamente polémicos  mas que viriam a ser assumidos como correctos vinte e três séculos mais tarde pelos fundadores da Lógica Contemporânea.

    Os estóicos (da chamada escola filosófica de "Stoa", que quer dizer "pórtico") desenvolveram também notáveis teorias lógicas. Tinham bastante presente a diferença que há entre um código de comunicação específico, por um lado, e o que se pode expressar através do uso de tal código. Assim sendo, o conceito de "proposição" análogo ao usado na Lógica actual , já estava presente, de modo virtual, na filosofia estóica da linguagem.

    Porém a mais notável contribuição estóica para o desenvolviento da Lógica foi obra de Crísipo de Soles (280-206 a.C.), homem de vasta produção poligráfica (750 livros). Estudou as proposições condicionais e também as disjuntivas (regidas pela partícula "ou") e as copulativas (regidas pelo "e"), tendo reconhecido claramente o papel lógico desempenhado pela negação. Além disto, Crísipo foi capaz de relacionar tais ideias com as modalidades, elaborando um sistema de princípios lógicos que, no seu campo específico, foi muito além dos  resultados obtidos por Aristóteles e pelo seu discípulo Teofrasto. Por tal razão, Crísipo é hoje reconhecido como o grande precursor daquilo que hoje se chama "Cálculo Proposicional", o primeiro capítulo da Lógica desenvolvida a partir do último quarto do século XIX.

    A Lógica Moderna começou no século XVII com o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), cujos estudos influenciaram, 200 anos mais tarde, vários ramos da Lógica Matemática moderna.

    Leibniz criticou a lógica aristotélica por demonstrar verdades conhecidas mas não permitir revelar novas verdades. Além disso, a lógica tradicional sistematiza apenas juízos do tipo sujeito e predicado, como “Sócrates é mortal”. Já os modernos sentem necessidade de um método capaz de estudar também relações entre objectos, como “A Terra é maior do que a Lua”.

    A contribuição de Leibniz ao desenvolvimento da lógica aparece sob dois aspectos: ele aplicou com sucesso métodos matemáticos para a interpretação dos silogismos aristotélicos e apontou aquelas partes da Álgebra que estão abertas a uma interpretação não aritmética. Pela primeira vez se expôs de uma maneira clara o princípio do procedimento formal.

    Leibniz influenciou seus contemporâneos e sucessores através do seu ambicioso programa para a Lógica. Este programa visava criar uma linguagem universal baseada num alfabeto do pensamento ou characteristica universalis, uma espécie de cálculo universal para o raciocínio.

    A seguir a Leibniz, foi o inglês Boole (1815-1864) quem deu um passo em frente na lógica e foi pioneiro ao enfatizar a possibilidade de se aplicar o cálculo formal em diferentes situações e fazer cálculos de acordo com regras formais, desconsiderando as interpretações dos símbolos usados. Através de símbolos e operações específicas, as proposições lógicas poderiam ser reduzidas a equações e as equações silogísticas poderiam ser computadas, de acordo com as regras da álgebra ordinária. Pela aplicação de operações matemáticas puras e contando com o conhecimento da álgebra booleana é possível tirar qualquer conclusão que esteja contida logicamente em qualquer conjunto de premissas específicas.Sem Boole, o caminho que liga a Lógica à Matemática talvez demorasse muito mais a ser construído.

    No final do século XIX, o alemão Gottlob Frege (1848-1925) cria uma lógica baseada em símbolos matemáticos e na análise formal do discurso, lançando as bases da lógica moderna, que formaliza os raciocínios. Organiza assim uma espécie de gramática que pode ser utilizada a diversas linguagens, como a proposicional, que estuda a relação dos juízos entre si, e a de predicados, que analisa a estrutura interna das prposições. Como a matemática, ambas utilizam de símbolos lógicos (de negação, conjunção e implicação, por exemplo) e não-lógicos (que representam proposições, funções, relações etc.) para criar cálculos ou sistemas de dedução.

    A validade de um argumento depende exclusivamente da sua fórmula lógica e não do conteúdo das afirmações. Então, se no exemplo aristotélico o conceito “mortal” for substituído pelo conceito “verde” (“Todo homem é verde. Sócrates é homem, logo, Sócrates é verde”), o argumento permanece válido, ou correcto, embora não existam homens verdes. Válido, porém, não quer dizer verdadeiro. Para que a conclusão de um argumento válido seja verdadeira, as premissas têm de ser verdadeiras.

    Na verdade o que Frege designou por Lógica - assim como os seus contemporâneos Russell e Wittgenstein - não é o que hoje é chamado Lógica, fruto do formalismo e da teoria dos conjuntos que acabaram por predominar entre os matemáticos. Tratava-se de nossa semântica, uma disciplina sobre o conteúdo, natureza desse conteúdo e estrutura. Frege gastou considerável esforço na separação de suas concepções lógicas daquelas concepções dos 'lógicos computacionais' como Boole, Jevons (1835-1882) e Schröder (1841-1902) . Estes estavam, como já foi dito, empenhados no desenvolvimento de um cálculo do raciocínio como Leibniz propusera. Mas Frege queria cumprir o  mais ambicioso projecto de Leibniz: projectar uma língua characteristica. Dizia ele que uma das tarefas da filosofia era romper o domínio da palavra sobre o espírito humano. O uso de um sistema simbólico, que até então somente se pensava para a matemática, procurou-o usar Frege também para a filosofia: um simbolismo que retratasse o que se pode dizer sobre as coisas. Ele buscava algo que não somente descrevesse ou fosse referido a coisas pensadas, mas o próprio pensar.

    Peano (1858-1932)  também teve a sua importância no mundo da lógica. Com objectivos semelhantes a Frege, mas mais realista, desenvolveu uma notação formal para raciocínio matemático que procurasse conter não só a lógica matemática mas todos os seus ramos mais importantes. O simbolismo de Peano e seus axiomas - dos quais dependem tantas construções rigorosas na álgebra e análise - representam a mais notável tentativa do século de reduzir a aritmética comum, e portanto a maior parte da matemática, a um puro simbolismo formal. Aqui o método postulacional atingiu novo nível de precisão, sem ambiguidades de sentido, sem hipóteses ocultas.

    No começo do século XX, a Lógica Simbólica organizou-se com mais autonomia em relação à matemática e elaborou-se em sistemas axiomáticos. desenvolvidos, que se colocam em alguns casos como fundamento da própria matemática.

    Pode-se notar que a partir desta altura deu-se um grande salto no conceito de Lógica: o objecto da investigação lógica já não são mais as próprias fórmulas, mas as regras de operação pelas quais se formam e se deduzem.

 

 

O desenvolvimento da lógica matemática

 

 

   Uma das metas dos matemáticos no final do século XIX foi a de obter um rigor conceptual das noções do cálculo infinitesimal (limite, continuidade, infinito matemático, etc.). Tal programa foi chamado de "aritmetização da análise", isto é, a busca da redução dos conceitos fundamentais da análise (a matemática que tem como base a teoria dos número reais) aos conceitos da aritmética (a matemática que tem como base a teoria dos número inteiros positivos, isto é, dos números naturais e por extensão dos números racionais).

Por exemplo, ao invés de se tomar o número imaginário

 

 

 

como uma entidade um tanto misteriosa, é possivél defini-lo como um par ordenado de números inteiros (0,1), sobre o qual se realizam certas operações de "adição" e "multiplicação". Analogamente, o número irracional

 

 

definia-se numa certa classe de números irracionais, cujo quadrado é menor do que 2. Dado que a Geometria podia ser reduzida à Análise (Geometria Analítica), a Aritmética vinha a configurar-se como a base natural de todo o edifício matemático. O ponto culminante deste processo foram os axiomas de Peano (1899), que fundamentaram toda a Aritmética elementar posterior.

    Ao mesmo tempo, matemáticos como Frege, Cantor (1845-1918)  e Russell (1872-1970) , não convencidos da "naturalidade" da base constituída pela aritmética, procuravam conduzir a própria aritmética a uma base mais profunda, reduzindo o conceito de número natural ao conceito lógico de classe, ou para recorrer a Cantor, definir número em termos de conjunto, de modo que a lógica das classes apresentava-se como a teoria mais adequada para a investigação sobre os fundamentos da matemática. O esforço dos matemáticos foi o de dar à álgebra uma estrutura lógica, procurando-se caracterizar a matemática não tanto pelo seu conteúdo quanto pela sua forma.

    Bochenski, falando da história da Lógica Matemática, diz que a partir de 1904, com Hilbert, se inicia um novo período dessa ciência então emergente, que se caracteriza pela aparição da Metalógica (Hilbert (1862-1943) , Löwenheim e Scholem) e, a partir de 1930, por uma sistematização formalista desta mesma Metalógica. Iniciaram-se discussões sobre o valor e os limites da axiomatização, o nexo entre Lógica e Matemática, o problema da verdade (Hilbert, Gödel, Tarski).

    A Metalógica, na sua vertente sintáctica ocupa-se das propriedades externas dos cálculos, como por exemplo a consistência, a completude, a  decibilidade dos sistemas axiomáticos e a independência dos axiomas. Hilbert, Gödel e Church são autores neste campo. Na parte semântica, a Metalógica dirige-se ao significado dos símbolos, dos cálculos com relação a um determinado mundo de objectos. Tarski, Carnap e Quine entre outros se interessaram por estas questões.

    Apareceram também novos sistemas lógicos: as lógicas naturais, de Gentzen e Jaskowski, lógica polivalente de Post e Lukasiewicz, e a lógica intuicionista de Heytings.

    Complementando essas ideias cabe destacar alguns sistemas originais de outros matemáticos como Schönfinkel (1924), Curry (1930), Kleene (1934), Rosser (1935) e o já citado Alonzo Church (1941).

 

  

  No ínicio do século  algumas dúvidas começaram a abalar a confiança dos matemáticos no grau de perfeição lógica: o surgimento, por volta de 1900, de numerosos   paradoxos ou antinomias especialmente na teoria dos conjuntos. O surgimento de tais contradições mostrava que havia algum defeito nos métodos. Será que se poderia ter certeza de que ao usar os axiomas de um sistema rigidamente lógico - o grande sonho de tantos matemáticos do início do século XX de reduzir a matemática à lógica - nunca se chegaria a uma contradição dentro dos axiomas do sistema? Este quadro estimulou a criatividade matemática. Na tentativa de se resolverem os paradoxos surgiram 3 grandes escolas da lógica : a Logicista , a Intuicionista e a Formalista.

     No domínio dos fundamentos da matemática e da filosofia da matemática a teoria logicista propõe-se demonstrar a reducibilidade das proposições da matemática (pura) a proposições da lógica.

    É na escola logicista que Frege Peano e Russell se enquadram. Esta escola esteve exposta a fortes críticas. Frege, Peano e Russell , devido ao seu platonismo, acreditavam num mundo objectivo, existente em si e por si, de entes e relações matemáticas que o investigador deva descobrir e não inventar. Russell, peano e Frege tinham objectivos ainda maiores: utilizar o instrumenta da lógica como ponto de partida do pensamento filosófico, através da criação de uma linguagem perfeita. 

    No entanto, o trabalho desenvolvido por Russell e Frege em termos de fundamentos falhou. Como diz Hersh (1997)

    “O paradoxo de Russell e as outras “antinomias” mostraram que a lógica intuitiva é mais arriscada do que a matemática clássica  pois conduziu a contradições que nunca acontecem na aritmética ou na geometria. Esta foi a “crise dos fundamentos” a questão central na famosa controvérsia do primeiro quarto deste século.” 1

E mais adiante:

    “O logicismo nunca recuperou do paradoxo de Russell. Eventualmente tanto Frege com Russell desistiram (…) Reduzir a aritmética à lógica foi desapontante. Em vez de se ancorar à rocha da lógica, ficou suspenso do balão da teoria dos conjuntos.” 1 

    Como próprio Russell salienta, " Queria a certeza da mesma maneira que as pessoas querem a fé da religião. Pensava que a certeza seria encontrada maior probabilidade na matemática do que em qualquer outro lado. Mas descobri que muitas das demonstrações matemáticas, que os meus professores queriam que eu aceitasse, estavam cheias de falácias e que, se, na verdade, a certeza pudesse ser encontrada na matemática, teria de ser num novo campo, com fundamentos mais sólidos do que os que até aí tinham sido julgados seguros. Mas, à medida que o trabalho avançava, lembrava-me constantemente da fábula do elefente e da tartaruga.Depois de construir um elefante onde o mundo da matemática podia assentar, descobri que o elefante era instável e decidi construir uma tartaruga para evitar que o elefante caísse. Mas a tartaruga não era mais estável  do que o elefante, e, após cerca de vinte anos de trabalho árduo, cheguei á conclusão que não podia fazer mais nada para tornar o conhecimento matemático isento de dúvida."     

    Na verdade, tanto a lógica matemática em sentido estrito como os estudos de semântica e filosofia da linguagem depararam-se com problemas filosóficos que não se resolvem somente dentro de uma perspectiva lógica. Há questões de fundo da lógica matemática que pertencem já a uma filosofia da matemática.

    Apesar de tudo, há que destacar o grande mérito da escola logicista ao incrementar grandemente o progresso da logística e ao confirmar a  íntima união entre matemática e lógica.

 

 

     

 


1 - Hersh, R. (1997).What is Mathematics, Really?. New York: Oxford University Press, p.148-149.

2 - Davis, P. J., Hersh, R. (1995). A Experiência Matemática. Lisboa: Gradiva, p. 152.

3 - http://www.cic.unb.br/tutores/hci/hcomp/EvolucaoConceitual.html

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt