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"Não era amena, mas tinha
as
suas compensações"
Nos mosteiros beneditinos de toda a Europa
medieval, os monges eram arrancados ao minguado conforto dos seus colchões
de palha e ásperos cobertores pelos sineiros, que os despertavam às 2 horas
da madrugada. Momentos depois, dirigiam-se apressadamente, ao longo dos
frios corredores de pedra, para o primeiro dos seis serviços diários na
enorme igreja (havia uma em cada mosteiro), cujo altar, esplendoroso na sua
ornamentação de ouro e prata, resplandecia à luz de centenas de velas.
Esperava-os um dia igual a todos os outros, com uma rotina invariável de
quatro horas de serviços religiosos, outras quatro de meditação individual e
seis de trabalhos braçais nos campos ou nas oficinas. As horas de oração e
de trabalho eram entremeadas com períodos de meditação; os monges
deitavam-se geralmente pelas 6.30 horas da tarde. Durante o Verão era-lhes
servida apenas uma refeição diária, sem carne; no Inverno, havia uma segunda
refeição para os ajudar a resistir ao frio.
Era esta a vida segundo a Regra de S.
Bento, estabelecida no século VI por Bento de Núrsia, o italiano fundador da
Ordem dos Beneditinos, canonizado mais tarde. S. Bento prescrevia para os
monges uma vida de pobreza, castidade e obediência, sob a orientação
monástica de um abade, cuja palavra era lei. Luís, o Piedoso, imperador
carolíngio entre 814 e 840, encorajou os monges a adoptarem a Regra de S.
Bento.
E, por volta de 1000, a regra seguida
praticamente em todos os mosteiros da Europa Ocidental inspirava-se na dos
Beneditinos, tal como muitos dos edifícios se baseavam no "modelo" delineado
para o Mosteiro de St. Gallen, na Suíça, em 820.
A Regra de S. Bento foi formulada quando
este era abade de Monte Cassino (no Sul de Itália), abadia fundada em 529 e
que continua a ser um dos grandes mosteiros do Mundo. Bento foi o seu
primeiro abade, e foi ele quem estabeleceu o modelo de auto-suficiência
advogado pelas primitivas regras monásticas — dependência total dos próprios
campos e oficinas — que orientou durante séculos os mosteiros da cristandade
ocidental.
Em todos os antigos mosteiros beneditinos,
a vida era totalmente comunitária. A rotina diária centrava-se naquilo a que
S. Bento chamava "trabalho de Deus" — demorados ofícios de complexidade
crescente. Tudo o resto era secundário. O trabalho manual que a regra
estipulava existia não só para fornecer aos frades alimentação e vestuário e
satisfazer-lhes outras necessidades, como também para evitar a sua
ociosidade e lhes alimentar a alma mediante a disciplina do corpo.
Posteriormente, quando as abadias enriqueceram, sobretudo através de doações
de fiéis devotos, os dormitórios comunitários foram substituídos por celas
individuais; e foram contratados trabalhadores para cuidarem dos campos, o
que permitiu a muitos monges dedicarem-se a outras actividades, nomeadamente
o estudo, graças ao qual a Ordem de S. Bento viria a ser tão justamente
célebre.
Nos seus jardins murados, os monges
cultivavam ervas medicinais; num dado momento— ninguém sabe quando —,
ocorreu-lhes a ideia de adicionar algumas ervas à aguardente, inventando
assim o licor beneditino. Pode parecer estranha esta associação da vida
monástica com o luxo das bebidas alcoólicas, mas o vinho foi sempre uma
bebida permitida aos Beneditinos. Ligava bem com as suas refeições simples,
constituídas essencialmente por pão, ovos, queijo e peixe. Embora a carne
fosse proibida nos primeiros séculos, posteriormente algumas abadias
adicionaram aos alimentos consumidos aves de capoeira e de caça, uma vez que
o fundador não as mencionara expressamente entre as vitualhas proibidas. Em
todas as refeições, porém, reinava o silêncio. Deste modo, a Regra de S.
Bento, posto que severa sob muitos aspectos, conseguiu atingir um certo
equilíbrio entre a ascese e o comprazimento.
Bento, obviamente, conhecia a natureza
humana. Embora os monges fossem obrigados a levantar-se muito cedo,
aconselhava-os a "encorajarem-se uns aos outros com indulgência e a
atenderem às desculpas dos dorminhocos" e autorizava a sesta durante o
Verão. Além disso, o primeiro salmo do dia devia ser recitado lentamente, a
fim de permitir que os retardatários apanhassem os companheiros.
Recomendava-se o silêncio, mas em termos de "espírito de taciturnidade", e
não de completa mudez; de facto, existia uma sala especial, com uma lareira
acesa no Inverno, onde os monges conversavam. Igual consideração para com os
monges se verificava no fornecimento do vestuário, simples mas limpo, que
incluía uma muda do hábito e da túnica interior. S. Bento não desejava
imitar o ascetismo extremo das sociedades monásticas do Egipto ou da Síria.
No entanto, os banhos, excepto para os doentes, eram desaconselhados como
luxo exagerado. De acordo com a sua imutável rotina, os Beneditinos viviam e
trabalhavam em obediência absoluta ao seu abade. Eram eles que o elegiam,
mas a partir de então a sua autoridade era total e vitalícia. Era o abade
quem deliberava sobre a faceta privilegiada do mosteiro — se este deveria
primar pela santidade austera, pela cozinha ou pela erudição. No interior
das suas paredes maciças, que nenhum cristão ousaria atacar, os mosteiros
possuíam bibliotecas nas quais se conservou intacta grande parte da herança
literária da Antiguidade durante os séculos em que a Europa foi assolada por
invasões e guerras intestinas.
Na realidade, a segurança, tanto económica
como física, que os mosteiros ofereciam às respectivas irmandades deve ter
constituído um dos seus principais atractivos. Séculos após século, tanto os
Beneditinos como os monges de outras ordens religiosas viveram sem temer a
fome, a guerra ou o desamparo. E reconfortava-os sempre a ideia de que, no
fim, tinham maiores probabilidades de salvação do que os camponeses ou os
cavaleiros, que viviam apegados às coisas mundanas.
Texto retirado da Enciclopédia “Ao
Encontro do Passado de Selecções" do Reader’s Digest. |
Manuscrito do século XI do
Mosteiro de Monte Cassino ilustrado com cenas da vida e da época de S.
Bento. Da esquerda para a direita e de cima para baixo, as ilustrações
representam:
-
S. Bento escrevendo a sua
regra para os monges da sua ordem;
S. Bento nos seus últimos momentos da
sua vida;
O funeral de S. Bento e a visão que dois monges, muito distantes um
do outro, tiveram do caminho que conduziria ao céu o fundador da sua ordem;
A louca milagrosamente curada depois de dormir na gruta que S. Bento ocupara
como eremita,
-
S. Gregório depois de terminar a sua obra, Vida de S. Bento, de
que estas ilustrações fazem parte.
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