História  

O primeiros passos: da variolação a Edward Jenner

Pasteur e a ‘vacina’

A 1ª geração de vacinas do século XX

Primeiros programas de vacinação à escala planetária

Portugal e o Programa Nacional de Vacinação (PNV)


 

O primeiros passos: da variolação a Edward Jenner

No início do séc. XVIII, a varíola era uma das doenças transmissíveis mais temidas no mundo. Poucas pessoas ultrapassavam a juventude sem contrair varíola e a taxa de mortalidade centrava-se entre 10 e 40%. Por essa época, a mulher do embaixador inglês em Istambul, Lady Mary Montagu, observou que a varíola podia ser evitada introduzindo na pele de indivíduos sãos o líquido extraído de uma crosta de varíola de um indivíduo infectado. Pensa-se que este método, conhecido por “variolação”, terá tido origem na China. O método foi trazido para a Europa Ocidental e, apesar de ter provocado vários casos de morte por varíola, foi ainda largamente utilizado em Inglaterra e nos EUA até virem a público as investigações do médico inglês Edward Jenner, publicadas em 1798.

Jenner investigou uma crença, comum entre os camponeses, de que os trabalhadores que lidavam com vacas doentes devido à varíola das vacas, a chamada “cowpox”, e que desenvolviam pústulas semelhantes às dos animais (uma condição benigna conhecida por ‘vaccinia’, do latim vacca), não eram contagiados com a varíola. Jenner inoculou um rapaz de 8 anos saudável, que nunca tinha tido nem varíola nem vaccinia, com pús de cowpox. O rapaz teve sintomas benignos de vaccinia e, posteriormente, foi inoculado com o vírus da varíola humana, mas não desenvolveu a doença. Em resultado dessa observação, o vírus causador da cowpox passou a substituir o vírus da varíola na técnica de variolação, originando uma mortalidade muito inferior à deste último. Hoje o fenómeno é explicado pela menor infecciosidade do vírus das vacas e pela sua introdução no corpo humano através de uma via diferente da natural – a pele, em vez da inalação – o que dá mais tempo ao sistema imunitário para desenvolver defesas eficazes antes do vírus se multiplicar.

Jenner inoculou grande número dos seus pacientes e o mesmo fizeram outros médicos contemporâneos em toda a Europa. As primeiras inoculações do vírus eram feitas directamente através da pele, utilizando fragmentos de pústulas de cowpox. Só no limiar do séc. XIX é que o processo toma maiores dimensões, com a cultura do vírus – também designada por vaccinia – na pele de bezerros, as quais eram posteriormente usadas para várias inoculações. Esta técnica, conhecida por vacinação (de vaccinia), teve início na América em 1800 e, em 1805, Napoleão Bonaparte ordenou a vacinação de todos os soldados franceses. Cerca de 170 anos mais tarde, o vírus da varíola seria erradicado do planeta, um dos maiores feitos de sempre da medecina preventiva.


 

Mary Montagu, séc 18

 

Jenner vacina um jovem de 8 anos

 

 

Edward Jenner, 1749-1823

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Pasteur e a ‘vacina’

No tempo de Jenner, ainda não tinha sido estabelecida uma relação de causa-efeito entre a presença de micorganismos patogénicos e certas doenças que hoje sabemos serem causadas por estes microrganismos. Esta relação foi estabelecida apenas em finais da década de 1870 por Louis Pasteur e Robert Koch. Pasteur descobriu também que culturas antigas da bactéria causadora de cólera em galinhas, nas quais o meio de cultura não tinha sido regularmente renovado, causavam uma infecção apenas muito moderada de cólera quando inoculadas nas galinhas. As velhas culturas revelaram-se portanto muito menos patogénicas (o termo hoje usado é ‘atenuadas’) para as galinhas. Para homenagear Jenner, Pasteur deu então o nome de vacina (como o ‘vírus da vacina’ de Jenner) a qualquer preparação dum agente patogénico atenuado que fosse posteriormente usada para imunizar contra uma doença infecciosa. Por volta de 1885, Pasteur desenvolve a vacina e o tratamento contra a raiva, uma doença viral fatal, em geral transmissível ao homem pela mordedura dum mamífero infectado.


Duas fotos de Pasteur, 1822-1895

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A 1ª geração de vacinas do século XX

Desde Jenner, a vacinação em massa tem permitido manter sob controle mais duma dezena de doenças infecciosas humanas, pelo menos nos países industrializados. A Tabela 1 abaixo apresenta uma lista (não-exaustiva) das datas da introdução da primeira geração de vacinas humanas.

Apesar de não terem a sofisticação das vacinas actuais, as vacinas anteriores à 2ª Guerra Mundial foram suficientemente eficazes para reduzir drásticamente a morbilidade e mortalidade causada por várias doenças, dando credibilidade aos programas de prevenção contra doenças infecciosas. A explosão científica que se seguiu à 2ª GM deu origem a novas vacinas, algumas das quais ainda em uso hoje em dia, como é o caso da polio, sarampo, parotidite e rubéola.

 


Tab 1. Datas de introdução das vacinas mais comuns

..1798 Varíola
..1885 Raiva
..1897 Peste
..1923 Difteria
..1926 Tosse convulsa
..1927 Tuberculose
..1927 Tétano
..1935 Febre amarela
..1955 Polio injectavel (VIP)
..1962 Polio oral (VAP)
..1964 Sarampo
..1967 Parotidite
..1970 Rubéola
..1981 Hepatite B

Fonte: Plotkin SA and Mortimer EA (eds). Vaccines. Philadelphia, Saunders, 1994)

Primeiros programas de vacinação à escala planetária

Entre 1900 e 1973, a utilização das vacinas esteve práticamente restringida aos países industrializados. À escala mundial, a cobertura geográfica da vacinação era (e ainda é) muito heterogénea. Com excepção da varíola, nenhuma das doenças visadas pelas vacinas foi erradicada à escala planetária. As epidemias de doenças infecciosas continuam a ocorrer em todos os países, nalguns casos com periodicidade regular, embora nos países onde a vacinação foi implementada em grande escala, o periodo interepidémico (espaço de tempo que decorre entre duas epidemias) tenha em geral aumentado (ver teoria matemática).

A primeira implementação à escala planetária duma vacina, deu-se com a da varíola e iniciou-se em 1956, com o patrocínio da Organização Mundial de Saúde (OMS). O objectivo foi, declaradamente, erradicar a doença. Conseguiram-se elevadas percentagens de cobertura e, em finais da década de 1960, iniciou-se também uma estratégia de identificação e isolamento de casos, com pesquisa e vacinação dos indivíduos contactados pelo infectado. A doença foi erradicada nos paises industrializados por volta de 1960 e, à escala planetária, em 1977. Permanece com o único caso de erradicação global duma doença infecciosa humana e deveu-se a condições muito favoráveis: uma estratégia bem delineada, uma vacina estável, muito eficaz e barata. O caso seguinte de controle duma doença infecciosa em larga escala ocorreu na Gâmbia, em 1967-1970, contra o sarampo. A doença foi eliminada no país por volta de 1972, mas manteve-se nos países vizinhos. A incapacidade de manter uma elevada cobertura vacinal de forma sustentada, fez com que em poucos anos se voltasse aos niveis de morbilidade anteriores à campanha.

No seguimento do sucesso conseguido com a varíola, em 1974 a OMS criou o “Expanded Programme of Immunization” (EPI). “Expanded” porque o programa incluia 6 vacinas: tuberculose (BCG), difteria, tétano, tosse convulsa, poliomielite e sarampo (mais tarde a OMS adicionaria a febre amarela e a hepatite B). A selecção foi feita com base na alta morbilidade destas doenças e na disponibilidade de vacinas bem experimentadas e baratas. “Expanded” também significava maior cobertura. Incrivelmente, nessa altura não chegava a 5% a percentagem de crianças em paises em vias de desenvolvimento que eram cobertas pelos serviços de vacinação. A cobertura mundial das 6 vacinas aumentou gradualmente, mas o sucesso do EPI não foi uniforme. Os países com maiores recursos, melhores infraestruturas e vontade política, conseguiram as melhores coberturas da população. Entre 1974 e 1980, o EPI desenvolveu cursos de formação, mobilizou enormes recursos humanos e distribuiu documentação por todo o mundo. Foi nesse periodo que a maioria das nações do mundo adoptou o principio de possuir um programa de nacional de vacinação (muitos continuaram a chamar-lhe EPI).


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OMS

Portugal e o Programa Nacional de Vacinação (PNV)  

Em Portugal, o Programa Nacional de Vacinação (PNV) iniciou-se em Outubro-Novembro de 1965. Trata-se de um conjunto de vacinas, dadas gratuitamente ao maior número possível de cidadãos, segundo orientações técnicas e um calendário de idades de vacinação recomendado. A primeira vacina do PNV foi a poliomielite. A esta seriam acrescentadas, em 1966, a tosse convulsa, a difteria, o tétano e a varíola. Note-se que muitas destas vacinas eram já administradas à população portuguesa antes do PNV, embora com percentagens de cobertura da população muito inferiores às visadas pelo PNV (Tabela 2). Em 1974 e 1987, o sarampo, a rubéola e a papeira (= parotidite) foram acrescentadas ao PNV (ver quadro). Mais recentemente (Jan 2006) o PNV recebeu a vacina conjugada contra o Meningococo-C.


    Meningococo-C    Desde Jan 2006

O PNV português teve um sucesso considerável e relativamente rápido na redução da morbilidade e mortalidade de muitas das doenças visadas. Doenças como a difteria, a poliomielite, o tétano pré-natal e, mais recentemente, o sarampo, praticamente desapareceram, enquanto outras, como a tosse convulsa, estão grandemente controladas. Estes avanços da saúde pública em Portugal estão documentados e podem ser vistos aqui, aqui e aqui. Tudo indica que o PNV tenha evitado centenas de milhares de casos destas doenças, bem como as formas mais graves de tuberculose sistémica. No caso da poliomielite, evitaram-se milhares de paralisias em crianças que teriam ficado marcadas para toda a vida.

Recentemente o PNV foi objecto de duas revisões pela recém-formada Comissão Técnica de Vacinação (CTV), tendo em 2000 sido acrescentadas duas novas vacinas, a Hepatite B e o Haemophilus influenza tipo b e em 2006 a vacina contra o meningococo-C. O esquema recomendado do actual PNV, bem como as orientações técnicas do mesmo, podem ser encontradas nesta página.

 

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TABELA 2. Datas de inicio da administração de algumas vacinas em Portugal. O PNV, em que as vacinas são dadas gratuitamente e em massa, iniciou-se em 1965. Desde então tem sofrido actualizações várias. Antes de 1965 eram já dadas algumas destas vacinas em menor escala, como a tabela indica. O grupo etário visado nos primeiros anos do PNV era o de 0 a 10 anos de idade. Mais tarde as vacinas começaram a ser dadas em intervalos de idade mais restrtitos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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