EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE INFINITO

 

 

Koyré (1973) refere que a origem da concepção da infinidade do universo se encontra, como não poderia deixar de ser, entre os gregos. As especulações dos pensadores gregos quer sobre a infinidade do espaço quer sobre a multiplicidade dos mundos tiveram um papel fundamental na história da evolução deste conceito.

Os debates acerca do infinito são anteriores a Platão e Aristóteles e foram uma constante nas escolas gregas. Foi durante o séc. V a.C. que Zenão de Elea mostrou que se o conceito de contínuo e de infinita divisão for aplicado ao movimento de qualquer corpo, então o movimento não existe. Zenão expôs a sua argumentação com base em quatro situações hipotéticas, que ficaram conhecidas como os paradoxos de Zenão.

Não existem registos na História que clarifiquem qual a razão que levou Zenão a desenvolver estes famosos argumentos. Talvez ele quisesse apenas ilustrar o pouco que sabemos sobre o tempo, o espaço, e tudo aquilo que não pode ser contado.

De facto, depois da época de Zenão, a matemática não progrediu como se esperava. Nenhum dos problemas por ele propostos foi resolvido na Antiguidade.

 

Bento de Jesus Caraça retrata a situação da seguinte forma:

Concluiu-se pela incapacidade numérica para resolver o problema das incomensurabilidades; portanto, pela degradação do número em relação à Geometria. Consequência: abandonou-se o que a escola pitagórica afirmara de positivo - a crença numa ordenação matemática do Cosmos -  e retomou-se, a breve trecho, em termos cada vez menos nobres, o lado negativo das suas concepções.

Concluiu-se pela exclusão do conceito quantitativo de infinito dos raciocínios matemáticos - a matemática grega toma uma feição cada vez mais finitista: invade-a o horror do infinito.

Concluiu-se pelo abandono das concepções dinâmicas, sempre que tal fosse possível - a matemática grega é invadida pelo horror do movimento.

(Caraça, 2000, p. 78)  

 

Estas três características - degradação do número, horror do infinito e horror do movimento - constituíram a barreira que os filósofos gregos colocavam entre si e a realidade, e que só muito mais tarde pode ser derrubada.  

 

 

Foi só durante o Renascimento (séc. XV) que o conceito de infinito reapareceu, tendo sido então amplamente estudado e discutido, embora muitas vezes faltasse alguma análise de detalhe e de raciocínio lógico.  

 

Giordano Bruno (1548-1600) foi um dos mais importantes filósofos da Renascença. Na sua obra Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos, Bruno argumentou que o Universo era infinito e que continha um número infinito de mundos  (sistemas solares heliocêntricos), todos habitados por seres inteligentes.

 

Galileu (1564-1642) levantou a questão da equicardinalidade do conjunto dos inteiros e dos quadrados perfeitos. Como se pode ler no diálogo entre Salviati e Simplício, nos Discursos Matemáticos e Demonstrações

Salviati: “Se te perguntar quantos são os quadrados perfeitos, podes responder-me, sem mentir, que são tantos quantas as suas raízes quadradas; visto que todo o quadrado tem a sua raíz e que toda a raíz o seu quadrado, não há nenhum quadrado que tenha mais de uma raíz nem uma raíz que tenha mais de um quadrado.”

Simplício: “O que há a decidir nesta situação?”

Salviati: “Não vejo outra solução que não seja a de que todos os números são infinitos; que os quadrados são infinitos; e que a imensidão dos quadrados não é menor que a de todos os números, nem maior, e, em conclusão, que os atributos de igualdade, maior que e menor que, não têm lugar no infinito, mas só nas quantidades finitas.

(cit. in Stewart,1996, p. 68)

 

Para Galileu, a resposta aos paradoxos era muito simples: o infinito comporta-se de maneira diferente de tudo o resto e o melhor é evitá-lo.  

 

 

Locke (1632-1704) foi um filósofo empirista que defendeu que a ciência se produz a partir de ideias. Assim, a sua preocupação com o infinito foi a de tentar perceber que tipo de ideia é e de que forma chegamos a ela.

 

Nesta época, no entanto, os grandes debates e as grandes discussões centravam-se, não no infinito, mas sim nos infinitésimos que formaram a base de todo o cálculo infinitesimal.

 

Leibniz e Newton foram os matemáticos que desenvolveram o conceito de limite, utilizando nos seus trabalhos grandezas infinitesimais que lhes permitiam calcular tais limites. Embora tratando o mesmo assunto, trabalharam de forma independente. Leibniz era filósofo e interessava-se pela matemática para desenvolver as suas ideias metafísicas. Pelo contrário, Newton desenvolveu os seus trabalhos matemáticos como instrumento para a compreensão das leis físicas.  

 

O problema do infinito / infinitesimal, que até aqui permanecia relativamente esquecido,  surgiu com mais insistência no desenvolvimento inicial do cálculo, com o aparecimento das séries infinitas, em que se tornou necessário atribuir um sentido a expressões do tipo:  

1+1/2+1/4+1/8+1/16+...  

É fácil verificar que, à medida que o número de termos aumenta, esta soma se aproxima cada vez mais de 2 sem, no entanto, chegar a ser efectivamente dois...

Newton quis fazer das séries infinitas o fundamento dos seus métodos de diferenciação e integração de funções, vendo-se confrontado com a necessidade de lhes atribuir um sentido.

Inicialmente, as séries infinitas pareciam paradoxais, por exemplo, a soma da série:  

1-1+1-1+1-1+...  

parece gerar resultados contraditórios, consoante a forma como se soma; se somarmos:  

(1-1)+(1-1)+(1-1)+... 

a soma é claramente 0; no entanto, se somarmos 

1-(1-1)-(1-1)-... 

a soma é 1. Então 0=1, e vemos derrubar todo o edifício matemático!

Como o cálculo era demasiado importante para que se pudesse abdicar dele por causa deste “pequeno” problema, a solução foi contorná-lo, desenvolvendo toda uma teoria na qual as afirmações acerca de somas infinitas podem ser expressas à custa de afirmações mais complexas acerca de somas finitas.

Em vez de se falar de uma soma infinita

a 0+a 1+a 2+…

cujo valor é a, diz-se que a soma finita

  a 0+a 1+a 2+…+a n

se pode fazer diferir de a uma quantidade menor que qualquer erro pré-estabelecido ε, desde que se tome n maior que um certo N (que só depende de ε).

Só se um tal a existir a série converge, isto é, considera-se que a soma faz sentido.

(Stewart,1996, p. 69)

 

Analogamente, qualquer afirmação do tipo “há uma infinidade de inteiros” pode ser substituída pela versão finita “dado qualquer inteiro, existe um ainda maior”.

 

 

Foi só durante o séc. XIX que os processos infinitos foram cuidadosamente estudados. Os matemáticos que mais contribuíram para o tratamento desta questão foram Gauss, Dedekind e Cantor. Estes matemáticos provaram que a anterior análise  dos processos infinitos era sólida, embora nem sempre o raciocínio que a suportava fosse preciso.

Apesar da grande importância que teve o tratamento das questões matemáticas relacionadas com o infinito, continuou ainda a haver vozes que se insurgiam contra o infinito e tudo o que se pudesse relacionar com ele. Foi o próprio Gauss que, em 1831, afirmou:  

Protesto contra o uso de uma quantidade infinita como sendo uma entidade de facto; isto nunca é permitido em matemática. O infinito é só uma maneira de falar, na qual se fala correctamente de limites para os quais certas razões se aproximam tanto quanto desejarmos, ao passo que outras crescem sem limite.

(Gauss, cit inStewart,1996, p. 69)

 

 

Georg Cantor (1845 - 1918) foi o matemático que mais contribuiu para a evolução do conceito de infinito, através do seu trabalho no âmbito da teoria dos conjuntos. Fundamentalmente, o génio de Cantor permitiu-lhe sistematizar o estudo do infinito, elaborando uma teoria que viria a constituir-se como um dos grandes pilares da matemática.