Alguns Sofistas   

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Antífon

 

  A vida e as obras

      Antífon foi um adepto da democracia, que denunciou os preconceitos nobiliárquicos e exaltou o igualitarismo ao ponto de se opor à clivagem tradicional entre Gregos e Bárbaros. À parte disto, ignora-se quase tudo da sua vida, a não ser que era ateniense.

      A obra principal de Antífon é um tratado intitulado "Verdade", em dois livros. Atribui-se-lhe também "Sobre a Concórdia" e "Político". Além disso há que acrescentar uma obra particularmente interessante, de cariz psicológico, intitulada "Da Interpretação dos Sonhos". É de salientar que o carácter interpretativo dos sonhos de Antífon era já científico e racional.


  As figuras e o seu fundo

      Antífon atribuía a superioridade ontológica, que seria decisiva para o destino da metafísica ocidental, à matéria, visto que esta constitui a essência e a natureza dos seres. Contudo, não lhe empregava este termo, mas um termo que parece ser-lhe exclusivo, que é: arrythmiston. O arrythmiston constitui a natureza profunda dos seres, a sua verdadeira realidade, e significa "livre de todo o ritmo (rhythmos)", "livre de estrutura" ou, ainda, "fundo". Por rhythmos podemos entender modelo, contorno, estrutura ou organização.

      A verdadeira realidade está livre de estrutura. É o que tentou provar a solução de Antífon da quadratura do círculo. A realização da rectificação da curva demonstra a possibilidade da passagem de uma forma geométrica a outra, sendo a sua verdadeira realidade a homogeneidade do espaço.

      O arrythmiston é positivo porque rejeita toda a particularidade, toda a determinação, pois esta é negação. O arrythmiston é "reserva" no duplo sentido do termo: o de reservatório onde nos abastecemos, mas também o contido na expressão "estar na reserva". O privado da estrutura é auto-suficiente, não confere nada, já que é a ele que tudo é concedido. Assim, fica eliminado o privilégio do acabado, andando a incompletude a par da suficiência. Portanto, pode dizer-se que o arrythmiston é a juventude da natureza. Com efeito, a auto-suficiência do "livre de estrutura" tem como consequência subtraí-lo ao tempo. O arrythmiston é estável e permanente, indestrutível e imortal. É por isso que o tempo não tem realidade senão para o indivíduo que é medido por ele, que o pensa, pois este indivíduo tem um nascimento e uma morte.

      O homem é um velador de dia e é também o ser de um dia. Antífon também recusava ao indivíduo a consolação dos eternos retornos. Para Antífon, aquilo que o substitui é verdadeiramente um outro e não um outro eu. O livre de estrutura fica sempre o mesmo, mas não adquire jamais uma máscara idêntica, nunca mais volta a repetir-se, o que seria uma maneira de ir ficando. A partir daqui, para o indivíduo, cada ponto do tempo é um ponto de não-retorno, e a atitude daqui resultante relativamente à vida é dupla.

      A vida é mesquinha, frágil e curta, em suma é quase nada. Mas, precisamente por ser quase nada, é preciosa. A vida não é nada, mas este nada é tudo. Portanto, não é preciso passar a vida a preparar outra vida que não existe e que nos tira o tempo da vida presente. Para Antífon, a verdadeira vida é a nossa. Somos irremediavelmente indivíduos, configurações passageiras que além-túmulo não conservam a sua forma própria e que, por consequência, nunca mais regressam. Esta seriedade da existência coloca o problema da felicidade no seio da cidade e da felicidade pessoal.


  A lei contra a natureza

      Antífon considerava a felicidade do homem ameaçada pela lei (nomos), cuja única preocupação é reprimir os desejos da natureza. Para o demonstrar começou por denunciar a concepção tradicional que define justiça como a obediência às leis da cidade de que se é cidadão.

      O reino do nomos tem como consequência encorajar a hipocrisia e a dissimulação. Para Antífon a natureza representava a necessidade interna e a verdade e a lei representa a exterioridade acidental e convencional.
As determinações da natureza estão fundadas, daí a sua força, e as da lei não estão, donde resulta a sua fraqueza. O ser da lei é todo de opinião, portanto, não é nada, enquanto que o da natureza existe independentemente da ideia que se tenha dela, portanto, é verdade. Contudo, apesar desta desproporção de forças, a lei ousa opor-se à natureza, sendo o seu objectivo proibir, reprimir, fazer o mal. Mas este combate é, para a lei, um combate previamente perdido. É por isso que Antífon substitui os conceitos severos da ética heróica pelos mais alegres da nova moral: o útil, a vida, a liberdade e a alegria.

      Os preceitos da natureza era qualificados por Antífon como "necessários", relacionando-se agora com a liberdade. O paradoxo antifoniano consiste precisamente na ligação estreita que é estabelecida entre necessidade natural e liberdade. Para o homem, a liberdade é poder obedecer à physis, dizer sim à natureza, opor-se-lhe significa sofrer.

      Uma das grandes obras de Antífon intitulava-se "Da Concórdia". A concórdia tinha para Antífon um fundamento natural. A natureza constitui o terreno do necessário, ora a amizade é uma necessidade. Antífon viu que os membros de um grupo se imitam uns aos outros e que a semelhança que daí resulta é geradora da concórdia. O desejo da natureza é, portanto, o de um entendimento. Para evitar todo o desvio do indivíduo e toda a ruptura de harmonia social, Antífon pensava poder apoiar-se no conhecimento. Uma falta compreensão da natureza fecha os homens uns aos outros e impede-os de se entenderem. Há que espalhar, então, o saber por entre os homens a fim de realizar a concórdia.

      Ainda do ponto de vista de Antífon, todos os homens nascem iguais e não há que fazer discriminações entre nobres e plebeus, e mesmo entre Bárbaros e Helenos.


  A interpretação dos sonhos e terapêutica dos desgostos

      Um empreendimento original de Antífon foi a "arte de eliminar o desgosto", que, por sua vez, se prende com o tema da concórdia, que significa também a "unidade de espírito da cada indivíduo consigo próprio". O que nos faz lembrar o freudismo. Pode-se ainda relacionar com a actividade onirocrítica de Antífon, isto é, de interpretar sonhos.
      Antífon viu toda a importância das causas psíquicas da doença. A psicologia de Antífon devia ser uma psicologia dinâmica, que concebe o homem como dividido entre forças internas que se confrontam e que ele deve equilibrar.
      Na Antiguidade, a mântica dividia-se em uma divinatio naturalis e uma divinatio artificiosa. A interpretação praticada por Antífon insere-se na segunda categoria, pois interpreta como presságio favorável um sonho de catástrofe, e vice-versa. Antífon parecia estabelecer claramente a diferença entre o conteúdo manifesto e o conteúdo latente do sonho. O que chama a atenção nesta prática antifoniana de interpretação é a óptica racionalista, que o distingue da mântica da sua época. Definia a adivinhação como uma conjectura do homem sábio.

      Antífon não era apenas onirocrítico, foi também o que hoje se chama psiquiatra, que procura aperfeiçoar uma "arte de eliminar o desgosto". De facto, Antífon dizia-se capaz de curar por meio da palavra as pessoas que sofriam de desgosto.
Um outro traço original de Antífon foi, com efeito, o seu projecto de refundição da linguagem, exprimindo a maior parte dos seus contextos mais importantes por palavras que inventava. Antífon insistia muito no aspecto convencional dos nomes, que deviam esconder-se face às realidades ou, pelo menos, decalcá-las o mais estreitamente possível. Pretendia dar um sentido mais puro às palavras e de modo a dizer o que havia para dizer.
      É de espantar que tantos testemunhos deste pensador se tenham perdido, sendo um facto que dele nada sabemos. E isto porque de entre todos os sofistas este será, provavelmente, o maior. É de notar a profunda unidade de inspiração que atravessa os fragmentos que dele restam.
 

Para saber mais sobre Antífon: http://turnbull.dcs.st-and.ac.uk/~history/Mathematicians/Antiphon.html

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt