Alguns Sofistas   

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            Protágoras                 


  A vida e as obras

      Protágoras nasceu por volta de 492 a.C. em Abdera e parece ter sido discípulo de Demócrito. Existe uma história acerca de Protágoras que diz que seu pai, Meândrios, sendo muito rico, recebeu em sua casa o rei Xerxes, o qual, para lhe agradecer, ordenou aos magos que ministrassem ao jovem Protágoras o ensino, que de um modo geral, era reservado aos Persas.

a Demócrito

      Na realidade, pensa-se que a família de Protágoras seria de condição modesta e, ele próprio, teria começado por exercer um trabalho manual. Sobre este seu primeiro trabalho existe um referência na obra da juventude de Aristóteles, "Sobre a Educação". Nesse trabalho, Protágoras teria inventado a tulé (colchão ou esteira sobre a qual se transportavam os fardos) e a embalagem de cargas (método de encaixar os ramos de tal modo que um molho se segurava sozinho sem laço exterior). Achado de natureza mais geométrica do que mecânica. 

      Esta origem social de Protágoras explica as suas opiniões democráticas. Grande amigo do líder da democracia ateniense, Péricles, foram este e o regime democrático ateniense que escolheram, em 444 a.C., Protágoras para elaborar a Constituição de Thurii.

      Foi alvo de uma acusação por professar o agnosticismo. Como resultado, foi convidado a deixar Atenas e as suas obras foram queimadas na praça pública. Protágoras foi o fundador do movimento sofistico. Inaugurou as lições públicas pagas e estabeleceu a avaliação dos seus honorários. Pretende com o seu ensino formar futuros cidadãos e por isso reivindica o título de sofista.

      Morreu por volta de 422 a.C., com 62 anos, deixando uma influência profunda em toda a cultura grega posterior. A sua influência manifesta-se também na filosofia moderna.

      As duas grandes obras de Protágoras são: "As Antilogias" e "A Verdade", esta última veio a ser conhecida mais tarde por "Grande Tratado". A doutrina de Protágoras abrange, pelo menos, três momentos que consistem, primeiro na produção d' "As Antilogias", depois na descoberta do homem-medida e, finalmente, na elaboração do discurso forte. O primeiro deles é um momento negativo e os dois seguintes são construtivos.


  As Antilogias

      Protágoras foi o primeiro a defender, em "As Antilogias", que a respeito de todas as questões há dois discursos, coerentes em si mesmos mas que se contradizem um ao outro. Divisão polémica uma vez que Protágoras não apresenta nenhuma razão suficiente para que sejam só dois e não uma pluralidade de discursos possíveis.

      O pensamento protagórico da antilogia relaciona-se com o pensamento de Heraclito que vê o real como algo de contraditório e que afirma a imanência recíproca dos contrários. Contudo, entre Heraclito e Protágoras há uma diferença no modo de expressão da contradição. Enquanto Heraclito, pela supressão do verbo ser, mostra no próprio enunciado a contradição interna da realidade, Protágoras divide a contradição numa antilogia.

      O plano d' "As Antilogias" é-nos relatado numa passagem do Sofista de Platão. Desse plano fazem parte dois domínios: o do invisível e do visível. Po um lado, o domínio do invisível coloca o problema do divino. Daqui resulta o agnosticismo de Protágoras, ou seja, o ponto neutro entre dois discursos opostos que, a propósito dos deuses, se confrontam, o da crença e o da descrença. Este agnosticismo prepara e permite o momento seguinte: a afirmação do homem-medida. Por outro lado, no domínio do visível colocam-se vários problemas: o da cosmologia, onde Protágoras estudava a terra e o céu; o da ontologia, onde examinava o devir e o ser; o da política, onde expunha as diferentes legislações; e, finalmente, o da arte e das artes.


  O homem-medida

      Os momentos construtivos da doutrina de Protágoras pertencem à sua obra "A Verdade", nomeadamente, o homem-medida. "As Antilogias" mostraram uma natureza instável e indecisa, desempenhando sempre um duplo papel. O homem surge como uma medida que vai travar este movimento de balança, decidir um sentido. É por isso que o escrito sobre "A Verdade" começa pela célebre frase:

      "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são."

      Esta frase continua enigmática. Note-se que, Protágoras utiliza para designar a "coisa" de que o homem é medida o termo chrema, e não o termo pragma. Sendo que o primeiro significa uma coisa de que nos servimos, uma coisa útil. Depois, surgem algumas questões em redor da tradução do termo métron. Este é tradicionalmente traduzido por "medida", com o sentido de "critério", mas há quem rejeite este sentido e lhe atribua o sentido de "domínio", que deriva da etimologia do termo.

      Outro dos problemas que rodeia esta expressão diz respeito à extensão a dar à palavra "homem". O Antigos entenderam a palavra "homem" como designando o homem singular, o indivíduo com as suas particularidades específicas. Contudo, no século XIX entendeu-se a palavra "homem" como significando a humanidade. Mas, Hegel pensa que esta distinção de sentidos não tinha sido feita por Protágoras.


  O discurso forte

      Cada indivíduo é, certamente, a medida de todas as coisas, mas muito fraca se permanece só com a sua opinião. O discurso não partilhado constitui o discurso fraco, mal chega a ser discurso, porque a comunicação supõe algo de comum. Pelo contrário, quando um discurso pessoal encontra a adesão de outros discursos pessoais, este discurso reforça-se com o dos outros e torna-se um discurso forte.

      A teoria do discurso forte de Protágoras parece estar em estreita relação com a prática política da democracia ateniense, existindo vários indícios que para tal apontam. O primeiro deles era o que Protágoras dizia, segundo Platão, acerca do Bem. Para ele o Bem não podia existir só e único, mas sim com facetas, disperso, multicolor.
      Um outro indício encontra-se no "Protágoras" de Platão, onde Protágoras mostra que a lei da cidade se aplica a todos, tanto aos que mandam como aos apenas que obedecem. O terceiro indício está presente no mito de Epimeteu e de Prometeu, no qual Protágoras estabelece a diferença entre a arte política e as restantes, sendo estas últimas apenas da competência dos especialistas. Dizia Protágoras que, Hermes, por conselho de Zeus, havia distribuído entre todos os homens a virtude política, cujas duas competências são a justiça e o respeito. Como tal nas cidades democráticas, para os problemas técnicos apenas se admitia a opinião dos especialistas, para os problemas democráticos todo o homem se podia pronunciar. O que constitui mais uma das características da democracia.

      Se cada um é capaz de possuir a virtude política, isso significa que na cidade se pode constituir um discurso unânime ou, pelo menos, maioritário, que constitui o discurso forte. O discurso forte tem como fundamento a experiência política. Esta experiência é a da democracia, na qual não se pesam as vozes, contam-se. Portanto, a constituição do discurso forte é uma tarefa essencialmente colectiva.

      A virtude política será, então, um conjunto de conhecimentos possuídos por todos os cidadãos permitindo-lhes encontrar-se numa plataforma comum. Compreende-se deste modo que Protágoras tenha dedicado a sua existência à educação do cidadão e que para ele toda a educação seja educação política. É que a Paideia tem como resultado substituir os desvios particulares por um modelo cultural consistente, que insere os indivíduos no espaço e no tempo.
      Isto não significa que Protágoras defendesse a igualdade de opiniões e de saberes em todos os indivíduos. Os homens melhores sabem propor aos outros discursos capazes de captar a sua adesão. Torna-se, nesse caso, o discurso de um só homem, um discurso forte.

      Assim, se para medir o discurso forte se contam mais as vozes que o seu peso, não é menos verdade que certas vozes pesam mais que outras pois são capazes de juntar as outras à sua volta. A teoria do discurso forte de Protágoras parece então apresentar uma inspiração política que é a da democracia, tal como Atenas a conheceu na época brilhante de Péricles.


  Natureza da Verdade

      Vejamos agora duas interpretações, de Hegel e de Nietzche, da filosofia de Protágoras, nomeadamente, da sua concepção da verdade.
      Segundo Hegel, o que caracteriza a descoberta do poder da subjectividade é a verdade das coisas que se encontra mais no homem do que nas coisas.

      O princípio fundamental da filosofia de Protágoras é a afirmação de que todo o objecto é determinado pela consciência que o percepciona e pensa. O ser não está em si, mas existe pela apreensão do pensamento. Contudo, há um tema no pensamento de Protágoras que a interpretação hegeliana não considerou que é o do valor mais ou menos grande do aparecer, segundo o seu grau de utilidade. Este tema era essencial para Protágoras, uma vez que segundo ele o sábio saberia nos seus discursos substituir um aparecer sem valor e sem utilidade por outro melhor.

      Nietzsche apresenta um pragmatismo que parece ter como fonte o pensamento de Protágoras. Para ele, a obra do homem superior é criar o valor, que não existe como um dado natural. O homem vive num mundo de valores.

      O tema do útil é central no pensamento de Protágoras. Para este útil é o critério que hierarquiza os diferentes valores e faz com que um valor seja preferível a outro.

      A proximidade existente entre Nietzsche e Protágoras é sugerida pelo próprio Nietzsche, uma vez que este encara o pensamento como fixação de valores e o valor como expressão do útil, e ao mesmo tempo caracteriza o homem como o ser que, por excelência, mede. Apesar disto, existe uma diferença entre ambos. Por um lado, Nietzsche interpreta esta verdade-útil como erro-útil e opõe-lhe uma verdade verdadeira. Por outro lado, Protágoras chama verdade à avaliação segundo a utilidade dada pelo homem. Ideias incompatíveis se concebermos a verdade absoluta. Protágoras nega a verdade absoluta, uma vez que o universal não é dado, há que fazê-lo pelo homem.

 

Para saber mais sobre Protágoras: http://www.utm.edu/research/iep/p/protagor.htm

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt