Professores Pagos | Métodos de Ensino |
Epideixes
A
origem do termo "Sofista" |
As palavras gregas sophos e sophia habitualmente traduzidas por sábio e
sabedoria foram utilizadas desde os tempos mais remotos tendo-lhes sido sucessivamente
atribuídos vários significados.
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No início, foram utilizadas
para realçar uma capacidade ou arte especial num determinado assunto.
Homero refere que um construtor naval, um cocheiro, um navegador, um adivinho ou um escultor são sábios nas suas profissões. Também Apolo é
sophos com a sua lira. Nesta altura, sophos era atribuído a alguém que desempenhava uma determinada tarefa ou ocupação com um rigor e perfeição melhores que qualquer outra pessoa.
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No início do séc. V a.C. o termo "sofista"
passa a ser utilizado com o sentido de "homem sábio". É atribuído a poetas, como
Homero e Hesíodo, a músicos e
rapsodos, a deuses e mestres, aos Sete Sábios, aos filósofos pré-socráticos e a figuras com poderes superiores, como
Prometeu. Pelo final do século, o termo "sofista"
era aplicado a quem escrevia ou ensinava e que era visto como tendo uma especial
capacidade ou conhecimento a transmitir. A
sophia era fundamentalmente prática e sobretudo direccionada para a política ou para a arte.
No entanto, depois dos sofistas terem aparecido na Grécia,
os ódios e invejas que geraram por entre a multidão fez com que a palavra "sofista" começasse a ser utilizada
em sentido depreciativo. A palavra passa então a ser utilizada no sentido de ladrão,
charlatão ou mentiroso, significado que acaba por ir ao encontro do seu
sentido actual.
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Os
Sofistas como Professores Pagos |
Como temos vindo a referir, os sofistas
surgiram em resposta às novas exigências que se colocavam à educação. De facto,
quando os primeiros sofistas surgiram,
não havia, mestres para ensinar a discursar e a convencer as multidões e a
sociedade não os reconhecia como uma possível resolução dos seus problemas. Desta forma, não é difícil imaginarmos
que os primeiros sofistas devem ter sido recebidos de modo bastante frio e sarcástico.
Se, por um lado, os sofistas não tiveram dificuldades em encontrar discípulos que lhes pagassem os seus serviços,
por outro lado, enfrentaram severas críticas dos mais idosos e
conservadores que viam neles uma ameaça à estabilidade da Paideia.
No entanto, a pouco e pouco, os sofistas foram sendo cada vez mais ouvidos e procurados. Eram estudiosos profissionais que tinham recolhido muitos conhecimentos sobre os mais variados assuntos,
dos fenómenos naturais à vida política, às instituições sociais e às questões populares do
dia-a-dia.
Os sofistas raramente eram filhos de
Atenas
e, no entanto, a sua condição de "estrangeiros" não os impedia de oferecerem aos jovens da cidade a educação pela qual todos ansiavam e que os preparava para uma carreira de engrandecimento pessoal na vida política e social da época. Geralmente não se fixavam
em nenhuma cidade. Viajavam de terra em terra angariando discípulos que passavam alguns anos (habitualmente três ou quatro) estudando com eles.
Mas o maior desejo de qualquer sofista era ser bem recebido em
Atenas. Era aqui, no centro da cultura
helénica, que eles tinham maiores probabilidades de enriquecer, aumentar a sua
fama, e adquirir prestígio.
Se é verdade que os sofistas acabavam por enfrentar alguns perigos, também é verdade que a sua condição usufruía de alguns benefícios. Para além da fama que eles iam conquistando pelos sítios em que iam passando, iam desfrutando da hospitalidade de casas ricas onde acabavam por ficar hospedados. Além disso, eram por vezes convocados a exercer importantes funções políticas, graças aos seus extraordinários dotes oratórios. Como se isto não bastasse,
ficavam dispensados de cumprir serviço militar e de pagar impostos ao Estado,
o que era obrigatório para todos os cidadãos.
Como diz Jäeger "não foi só pelo seu ensino, mas também pela atracção dos seu novo tipo espiritual e psicológico que os sofistas foram considerados como as maiores celebridades do espírito grego de cada cidade, onde por longo tempo deram tom,
sendo hóspedes predilectos dos ricos e dos
poderosos" (Jäeger, 1986: pág.347).
Qual era a "clientela" dos sofistas, ou seja,
quem eram os seus alunos?
Os sofistas destinavam o seu ensino a todos os que desejassem "adquirir a superioridade necessária ao triunfo na arena
política" (Marrou, 1966: pág.84). No entanto, os seus alunos
provinham habitualmente das classes mais abastadas, onde se podiam encontrar novos ricos em busca de poder.
Platão, no seu diálogo "Protágoras",
testemunha uma outra situação ao revelar que
Protágoras possuía dois tipos de alunos, os que eram oriundos de famílias abastadas e que procuravam aceder aos mais elevados cargos políticos, e os que estudavam somente para se tornarem sofistas.
Os sofistas iniciavam o ensino dos
seus alunos quando estes tinham cerca de 16 a 18 anos. Nesta fase, os jovens,
estavam na posse de todas as suas faculdades e, tendo aprendido tudo o
que o modelo educativo em vigor lhes propunha, ambicionavam aprender o que os sofistas tinham para lhes ensinar... uma forma de atingirem o sucesso.
Sabe-se que os sofistas estabeleciam um
contacto muito próximo com os seus alunos. Na realidade, passavam a maior parte do tempo juntos, num intenso intercâmbio de experiências e saberes. Esta situação está muito bem exemplificada no
"Protágoras" de Platão, em que
Hípias de Élis estava sentado num cadeirão a discursar para os ouvintes, aparentemente sobre
"assuntos como a natureza e fenómenos celestes"
(Pinheiro, 1999: pág.84). Enquanto isso,
Pródico estava num quarto com os seus alunos. Quanto a
Protágoras, andava a discursar pelo
átrio.
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O facto de os alunos passarem a maior parte do tempo com os seus professores,
vivendo inclusivamente com eles, possibilitava o contacto directo, não só com a sua inteligência, mas também com a sua personalidade.
Os jovens sentiram-se como um grupo que se preocupava em estudar os mesmos assuntos.
Consideravam uma necessidade e, ao mesmo tempo, um privilégio poderem ser incluídos em tais associações. Terá sido por isso que,
no já referido diálogo "Protágoras",
Hipócrates não conseguiu esperar pelo romper do dia e foi, com grande entusiasmo, ter com
Sócrates, que ainda estava deitado, para o ajudar naquele propósito
(Pinheiro, 1999: pág.77). |
Relativamente à questão do pagamento podemos dizer que, ao contrário dos professores de música, de leitura e de gramática que eram extremamente mal pagos e muito mal qualificados, os sofistas aperfeiçoavam as suas técnicas e, conscientes da sua importância e do que ensinavam, cobravam bastante dinheiro.
É óbvio que os preços variavam de sofista para sofista. Consta que Protágoras pedia a considerável quantia de 10 000 dracmas. No século seguinte os preços tendem a baixar
(Isócrates não pediu mais que 1000 dracmas!). Uma questão interessante e bastante polémica diz respeito, precisamente, à verba total que os sofistas conseguiam angariar. Parece que
Górgias e Pródico conseguiram juntar bastante dinheiro, tal como
Hípias e Protágoras.
No entanto, Isócrates
garante que:
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"Apesar de tudo, não parece que estes que são conhecidos como sendo sofistas tenham acumulado muito dinheiro, uma vez que alguns viviam na pobreza e outros em circunstâncias moderadas. O homem que conseguiu juntar mais dinheiro foi
Górgias. Passou a maior parte do tempo com os ricos que lhe dão dinheiro, mas não casou nem teve filhos... ainda assim, quando morreu, deixou 20 000
dracmas." (cit. In Kerferd, 1981: pág.26). |
Platão, pelo contrário, realçou a riqueza auferida pelos sofistas dizendo, por exemplo, que
Protágoras terá ganho mais dinheiro que Fídias e mais dez outros escultores juntos.
O
facto dos sofistas cobrarem dinheiro pelos seus serviços despoletou
críticas por parte de variadas personalidades tais como Sócrates
e Aristóteles.
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Sócrates, no
"Protágoras", descreve os sofistas como sendo vendedores de bens que sustentam a alma e sugere razões pelas quais um jovem devia hesitar antes de procurar os serviços daqueles:
"... aqueles que levam a ciência de cidade em cidade, vendendo-a a retalho, elogiam sempre ao interessado tudo quanto vendem, mas talvez, meu caro, desconheçam o que é que desses artigos que vendem é bom ou mau para a alma..."
Protágoras,
Pinheiro (1999): pág.82
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Aristóteles descreve os sofistas como sendo aqueles que fazem dinheiro através de uma "virtude" aparente mas irreal.
Como podemos verificar a contradição é nítida, pelo que resta-nos dizer sobre este assunto que não há um consenso em que
possamos confiar com toda a convicção.
O
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"Em salas particulares, na rua ou no ginásio, os sofistas reuniam o conjunto de estudantes, transmitiam o conhecimento e davam a preparação retórica
desejada" (Monroe, 1979: pág.56).
De que forma é que os sofistas transmitiam os conhecimentos?
Quais os métodos a que os sofistas recorriam para
cumprir a sua função?
Em primeiro lugar, os sofistas podiam iniciar a sua aula através de uma leitura sobre um determinado tema, que iria ser utilizado como ponto de apoio para o desenvolvimento do resto da aula. Alguns eram apenas meros exercícios de retórica sobre um assunto mítico, como
"Helena" e "Palamedes", de
Górgias, que sobreviveram até aos nossos dias.
Em segundo lugar, os discursos constituíam um recurso bastante utilizado. Por exemplo, as
"Tetralogias" de Antífon,
faz um conjunto de quatro discursos, incluindo a versão do acusador, do acusado e comentários aos mesmos. Nos tópicos abordados, incluem-se situações directamente relacionadas com a lei e o ideal de justiça, por exemplo, a questão da atribuição da culpa quando um rapaz, espectador num ginásio, é ferido por um touro.
É evidente que discursos deste tipo eram utilizados com o objectivo de treinarem os jovens na argumentação, incentivando o seu estudo e imitação.
Em terceiro lugar, refira-se a utilização de dois métodos
de exposição bastante usados: o método breve e o método longo ou expositivo. Relativamente ao primeiro,
processava-se habitualmente através de perguntas e respostas. Consistia num verdadeiro diálogo entre o sofista e os seus alunos. No entanto, o segundo método era o preferido.
Através dos longos discursos, os sofistas eram mais facilmente capazes de
impor as suas ideias. Com o referido método, torna-se muito mais difícil seguir as ideias do
orador e aperceber a totalidade dos
pormenores.
Este foi um dos pontos mais
impiedosamente censurados. Tanto Sócrates como
Platão
e Aristóteles
criticaram de forma violenta a acção dos sofistas
por tentarem enganar o auditório utilizando discursos longos e floreios de linguagem,
ou seja, por navegarem de
"vela desfraldada, ao sabor do vento"
(Pinheiro, 1999: pág.113). |
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A crítica ao discurso longo é
eloquentemente feita na seguinte fala de Sócrates, presente no diálogo
platónico
"Protágoras":
"Ó Protágoras, acontece que eu sou um homem esquecido e quando alguém fala comigo demoradamente, esqueço qual era o conteúdo do discurso. É como se me acontecesse ser surdo; nesse caso ias achar necessário, se realmente estivesses disposto a dialogar comigo, falar bem mais alto do que com os outros. Do mesmo modo, agora estás a lidar com alguém esquecido, encurta as tuas respostas e torna-as mais breves, se queres que eu possa acompanhar-te".
Protágoras,
Pinheiro (1999): pág.109
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Ao que Protágoras
responde com orgulho e consciente da sua importância:
"Ó Sócrates, eu já travei combates verbais com muitos outros homens, e se tivesse feito o que tu mandas, discutir assim, da maneira que o meu antagonista me mandasse discutir, nem seria melhor que ninguém, nem o nome de Protágoras se teria tornado conhecido entre os Helenos".
Protágoras,
Pinheiro (1999): pág.110
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Nesta pequena passagem podemos observar como é que era encarado o discurso longo por parte de alguns e a forma como o sofista se protegia da crítica... pois tudo era feito conforme ele quisesse uma vez que era ele o afamado, o importante, o homem que dita as "regras do jogo". Esta é uma atitude bastante notória nos sofistas...
Para além dos métodos que aqui destacámos,
é de referir que os sofistas
foram dos primeiros a preocuparem-se com o registo e com a escrita dos seus conhecimentos.
No entanto, dos poucos livros que alguns se dedicaram a escrever, muitos se perderam
e não resistiram ao ódio que os sofistas enfrentaram, tendo sido queimados ou destruídos pelos críticos ou pela multidão enfurecida.
A título de curiosidade, refira-se a possível existência de um livro de um sofista anónimo,
intitulado "Discursos Duplos", que ilustrava bem o espírito sofístico. Tratava-se de um livro que continha, em duas colunas paralelas, para
cada tese, os argumentos destinados a provar que essa tese era verdadeira e os argumentos
que visavam provar o contrário.
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Os sofistas não encontraram uma clientela já pronta para os receber.
Tiveram que a cortejar, persuadir o público sobre a importância dos seus serviços. Isto pressupõe, como não podia deixar de ser, a utilização de meios para
chamar a atenção das pessoas e o recurso a métodos que, actualmente, se situam no campo da publicidade.
Para se fazerem conhecer, para manifestarem a excelência do seu ensino e darem mostras da sua habilidade, os sofistas
ofereciam uma exibição pública, chamada de
epideixes. Esta podia acontecer em vários locais e é óbvio que
os sofistas os escolhiam consoante a concentração de pessoas neles
existente, uma vez que pretendiam, através da
epideixes, dar-se a conhecer e cativar o maior número de alunos possível.
Em geral dirigiam-se ao
Ágora e aos ginásios.

Além disso, procuravam estar presentes nas várias celebrações
festivas, excelente ocasião para se darem a conhecer e para porem à
prova a sua competitividade. De facto, tinham nas festas óptimas oportunidades para
entrar em confronto, procurando ganhar prémios como os poetas anteriormente haviam
feito. Como Protágoras
dizia "qualquer discussão era uma batalha verbal entre os intervenientes, em que um sai vencedor e o outro
vencido" (Kerferd, 1981: pág.29).
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Os sofistas eram também facilmente encontrados em campeonatos desportivos.
Parece que
Hípias fez várias exposições públicas nos Jogos Pan-Helénicos, em
Olímpia, durante as quais se oferecia para falar de qualquer assunto de uma determinada lista preparada para o efeito e
respondia a eventuais questões.
Górgias discursou sobre variados assuntos no Teatro de Atenas, em
Olímpia
e em Delfos, durante os jogos. |

Mas não é tudo...
As epideixes podiam ter ainda lugar em casas privadas, como o que aconteceu na casa de
Cálias, no diálogo platónico "Protágoras".
Quais as formas que a epideixes podia tomar?
Uma epideixes era, inicialmente, uma simples leitura.
Protágoras terá sido o primeiro sofista a introduzir os debates e conferências como
forma de
epideixes.
Essas conferências podiam ser públicas, podiam ser reservadas a uma escol e, portanto, já serem pagas, podiam ser simples palestras de propaganda, o que custava apenas 1 dracma, ou podiam ser lições técnicas.
A epideixes podia basear-se
num vivo confronto entre o sofista e o auditório, em que estes faziam
perguntas a que o sofista procurava dar resposta. Em alternativa a este
método, a
epideixes podia apenas consistir num eloquente discurso
proferido pelo sofista sobre um tema que havia preparado ou sobre um
texto escrito. Estas declamações podiam ser meros exercícios de
retórica, cujo principal objectivo era mostrar como o caso menos
promissor também podia ser defendido.
De uma maneira geral, o que os sofistas pretendiam com as
epideixes era encantar e impressionar a multidão.
Face a este propósito, um aspecto que os sofistas também não esqueciam era o seu traje e o seu porte. Não podemos desprezar o facto, como refere
Marrou (1966: pág.87) de estarmos na Grécia e na Antiguidade, pelo que, para impressionar um auditório, o sofista não hesita em pretender a omnisciência e a infalibilidade.
Como tal,
"apresenta um tom doutoral, um comportamento solene ou inspirado, pronuncia as suas sentenças do alto de um trono elevado, revestindo mesmo, às vezes, parece, o costume pomposo do rapsodo no seu grande manto de púrpura" (Marrou,
1966: pág.87). De facto, alguns sofistas, tais como
Hípias e Górgias, confeccionavam os seus próprios fatos, tal
era a importância que
atribuíam ao seu aspecto.

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