O Que Ensinavam   

   Aspectos doutrinários comuns | Aspectos Distintos

 

O Ensino dos Sofistas

 
      Não existia um consenso entre os currículos que apresentavam.
      Cada sofista expunha ou salientava os conteúdos que considerava importantes e não tinha de dar satisfações a ninguém sobre a escolha efectuada. Apesar de tudo, embora os sofistas ensinassem quaisquer assuntos relacionados, por exemplo, com a arte, com a ciência e com a política, podemos observar, como veremos, alguns pontos comuns a todos eles.
 

A relação com os poetas

     Há uma relação bastante próxima entre os sofistas e os poetas tais como Homero, Hesíodo, Teogonis, Simónides e Píndaro. Por um lado, já na época dos poetas a questão da educação constituía um problema relevante. Jäeger refere que a necessidade de ensinar a areté já era sentida por Simónides, Teogonis e Píndaro. Com eles a poesia tornou-se "o palco de uma discussão apaixonada sobre a educação" (Jäeger, 1986: pág.346). O mesmo autor refere que Simónides, por seu lado, era também um sofista típico. Quanto a Homero, os sofistas viam-no como uma autêntica enciclopédia de conhecimentos e uma verdadeira mina de regras prudentes para a vida.

      A força educativa da obra dos poetas era algo de inquestionável para os gregos. Todos admiravam a sua beleza e respeitavam os seus ensinamentos. Assim, para além de reconhecerem uma elevada importância aos poetas, os sofistas tinham consciência de que, tomando-os como referência, seriam bem aceites, ouvidos e respeitados. O recurso aos antigos era, de facto, muito utilizado. No diálogo "Protágoras" podemos observar que, a dado momento, Protágoras se dirige para Sócrates dizendo:


   "Creio eu, Sócrates, que para um homem a parte mais importante da educação consiste em ser perito em matéria de poesia, e essa perícia significa poder entender e saber distinguir, na obra dos poetas, o que está feito de modo correcto e o que não está e justificar-se perante qualquer dúvida. Pois a minha pergunta de agora é precisamente sobre esse assunto acerca do qual tu e eu temos estado a discutir, acerca da virtude, só que transferido para a poesia."

Protágoras (338e-339)

 
     No entanto, apesar desta proximidade entre os poetas e os sofistas, não se pode deixar de referir que os sofistas foram inovadores. Eles não se limitaram ao trabalho de memorização dos poemas (típico do aédos), nem sequer à mera análise gramatical efectuada pelos gramatistés. Profundamente conscientes de várias questões morais e políticas que envolviam a sociedade daquele tempo, os sofistas utilizam a poesia para levantar um vasto conjunto de novos problemas, dando-lhe uma abordagem utilitária, direccionada à vida dos cidadãos. Assim, dedicavam-se a interpretar minuciosamente todos os recantos e pormenores de linguagem utilizados pelos antigos poetas, divertiam-se a encontrar contradições nos seus poemas e serviam-se deles para  discutir variados assuntos e defender os seus pontos de vista.

     

O ensino da Retórica

      
Os sofistas eram particularmente conhecidos como sendo professores de retórica, sobretudo no domínio das leis e da política, nos meandros do poder e da sua ascensão. Preocupavam-se em dotar os seus alunos de uma capacidade de argumentação suficientemente persuasiva. Para cumprirem este objectivo, alguns sofistas davam uma preparação formal que frequentemente consistia em fornecer aos seus alunos discursos feitos sobre determinados assuntos, com o objectivo de serem repetidos em futuras ocasiões, tais como nos processos perante os tribunais, ou sentenças inteligentes e informações fragmentárias a serem utilizadas em momentos oportunos.

      A retórica não se limitou à Assembleia ou aos tribunais. Estendeu-se por muitos outros campos que, habitualmente, pertenciam aos domínios da poesia. Nos banquetes e nas festas, em vez das tradicionais canções, passaram também a ser dados maravilhosos discursos sobre temas políticos ou filosóficos que faziam as delícias de quem os escutava.

      Infelizmente, perderam-se muitos dos escritos gramaticais e das retóricas dos sofistas.
Apesar disto, ainda existem os "Discursos Duplos" e o "Eutidemo" que mostram como a arte da discussão era utilizada como uma verdadeira arma nos combates oratórios. As investigações mostram como a argumentação lógica de uma prova, introduzida pela retórica, foi substituindo as antigas provas jurídicas de testemunhas e juramentos.
 

O ensino da Dialéctica

      Ao que parece foi Protágoras o primeiro a ensinar que, em toda a questão, se podia defender o pró e o contra. Mas o objectivo principal era ensinar a vencer em toda a discussão possível. Protágoras segue um método de discussão cuja finalidade é confundir o adversário, tomando como ponto de partida questões ou afirmações eventualmente proferidas pelo lado oposto.

      Os outros sofistas seguiram nesta espantosa arte de contornar o raciocínio fazendo um apelo à lógica de uma forma extraordinariamente subtil e encantadora.
      Como os fins justificam os meios, o que pretendem é utilizar tudo o que seja eficaz para vencer o adversário. O raciocínio cede lugar aos truques e astúcias paradoxais que geram, simultaneamente, o encanto e a confusão nos ouvintes.

 

A componente prática da vida

      O saber sofista estava muito direccionado para a componente prática da vida. O que ensinavam estava adequado às necessidades dos seus alunos (o que terá contribuído para a sua grande aceitação por parte destes!). Pretendiam dar respostas imediatas a determinadas situações, pelo que olhavam, de uma forma bastante concreta e real, para os assuntos que reclamavam uma intervenção imediata.

      O facto de Protágoras ter referido a determinada altura que quem fosse ter com ele não aprenderia senão o que pretendesse aprender e que o seu ensino se destinava "à boa gestão dos assuntos particulares - de modo a administrar com competência a sua própria casa - e dos assuntos da cidade - de modo a fazê-lo o melhor possível quer por acções quer por palavras" (Pinheiro, 1999: pág.88)
é um bom exemplo do que acabámos de explicitar.

      Como diz Marrou (1966: pág.89) nem Protágoras nem Górgias se preocuparam em desenvolver uma doutrina, mas sim em formular regras de conduta prática. Eles não ensinavam aos seus alunos nenhuma verdade sobre o ser ou sobre o homem, mas, apenas, a terem sempre razão, em qualquer circunstância.

      Neste contexto, a argumentação e a persuasão consistiam as linhas de conduta destes profissionais. Acreditavam na possibilidade de defesa de dois argumentos completamente opostos e estimulavam os seus alunos a defender o lado aparentemente mais fraco.

Aristófanes  

      Aristófanes, numa comédia intitulada "As Nuvens", confirma o que acabámos de referir relativamente à "defesa das causas perdidas".
      Narra-se a história de um pai que se endividou comprando cavalos de corrida para o seu filho. A determinada altura o pai diz para o filho:

 


"Acorda, meu filho. Estás a ver aquela casa ali no fim da rua? Aquela casa é um pensatório de sofistas. Lá moram homens que falam do céu, querendo convencer-nos que o céu é uma tampa de um forno e que nós somos os carvões. Se lhe der-mos algum dinheiro, são capazes de nos ensinar a vencer nos discursos, nas causas justas e injustas. São pensadores meditabundos, gente de bem! Ó se são! Por favor, meu filho, esquece um pouco as corridas de cavalos e junta-te a eles. Torna-te um deles. Dizem que os raciocínios são dois, o forte, seja ele qual for, e o fraco. Afirmam que o segundo raciocínio, isto é, o fraco, através do discurso, pode vencer nas causas mais injustas. Ora, querido filho, se aprenderes este raciocínio injusto, não pagarei um óbolo a ninguém do dinheiro que estou a dever por tua culpa!" 

As Nuvens, Aristófanes

      Os sofistas ensinavam a arte de jogar com as palavras, em enlaces rebuscados do raciocínio, procurando validar as suas ideias a qualquer custo, vencendo o seu opositor. Górgias, no funeral de soldados mortos na guerra, proferiu um discurso fúnebre que ilustra este jogo de palavras frequentemente utilizado pelos sofistas:


"Que qualidades faltavam a estes homens daquelas que os homens devem possuir? E que possuíam eles que os homens não devam possuir? Talvez eu seja capaz de dizer o que desejo e possa desejar o que devo, escapando à vingança dos deuses e evitando a inveja dos homens. Pois que divina era a coragem que esses homens possuíam, mas humana a sua mortalidade."

Cit. In Baldry (1968: 113 )

 

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Aspectos Doutrinários Comuns


      Apesar das diferenças que podemos encontrar entre os sofistas, existem determinados aspectos doutrinários que são comuns a todos eles. Passaremos a salientar alguns.

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A Nomos-Physis

      Os gregos, em geral, e os sofistas, em particular, estabeleceram um violento debate entre o nomos e o physis. Este confronto é referido em discussões políticas e morais, em escritos históricos, na filosofia e na literatura dramática.

      Os sofistas consideravam que a physis estava relacionada com o nascimento e com o crescimento, ou seja, estava relacionada com a essência natural de um fenómeno, ao contrário da nomos, relacionada com aquilo que é adquirido ou estabelecido por costume.
      Estas conotações influenciaram as práticas. Os sofistas defendiam que aquilo que tem origem na physis é inviolável e permanente. Por extensão, houve a tendência para olharem as coisas tal como elas são realmente e não como aparentam ser, pelo que nunca se pode transgredir a physis. Pelo contrário, aquilo que é do domínio da nomos, é susceptível de ser transgredido uma vez que se trata de algo convencional, imposto.

      O facto da oposição nomos-physis tactear alguns pontos bastante importantes para os gregos, faz com que seja despoletada a controvérsia e a discussão. De facto, os deuses existiam pela physis (na realidade) ou pela nomos? A organização política do estado era estabelecida pela vontade divina, por uma necessidade natural ou pela nomos? As diferenças existentes entre as várias raças de seres humanos são naturais ou convencionais? A escravidão de um povo sobre outro é algo de inevitável e natural ou é do domínio da nomos? Etc.
      Como não poderia deixar de ser, estas questões eram susceptíveis de grande polémica e constituíam excelentes pontos de apoio para as mais variadas discussões.

      Não podemos esquecer que a dicotomia nomos-physis terá sido sentida pelos sofistas uma vez que possuíam um conhecimento bastante alargado das várias terras e gentes. O facto de serem pessoas muito viajadas e atentas terá contribuído para este efeito pois permitiu-lhes aperceberem-se das diferentes práticas religiosas, usos e costumes consoante as regiões por onde passavam.

Nomos-Physis | Direito e Moral | Religião


O Relativismo

      A relatividade da verdade era uma das bases do ensino de Protágoras. Ele treinava os seus alunos a argumentar ambos os lados de uma questão, como já tivemos oportunidade de dizer, pois considerava que a verdade não se limitava a apenas um dos lados. Ao dizer que "o homem é a medida de todas as coisas", Protágoras não se refere ao homem enquanto espécie humana, mas enquanto ser individualmente considerado. Com isto ele introduziu a relatividade da verdade, segundo a qual a verdade valia para cada um, em particular, não existindo, portanto, uma verdade geral, pelo que não interessava procurá-la.

      Naquela altura o importante era viver! E, na vida política o fundamental não era possuir a verdade, mas ser capaz de convencer o público sobre um determinado argumento em detrimento de outro.

      Protágoras não tinha nenhuma verdade para ensinar aos seus alunos, mas apenas a terem sempre razão em qualquer circunstância. "Protágoras tomou emprestado de Zenão de Eleia os seus procedimentos polémicos e a sua dialéctica rigorosa, esvaziando-os, porém, daquilo que lhes dava seriedade" (Marrou, 1966: pág.90).

      A dialéctica aplicada à política vira, portanto, costas à ética. Foi devido a estes aspectos que Platão defendia que a técnica sofista era usada por quem queria ludibriar os outros e enganá-los e praticar o mal e a injustiça.

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O Direito e a Moral

      "Em coerência com o cepticismo teórico, destruidor da ciência, a sofística sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Desta forma, é bem o que satisfaz o sentimento, o impulso, a paixão de cada um, em cada momento. Ao sensualismo, ao empirismo gnosiológicos correspondem o hedonismo e o utilitarismo ético: o único bem é o prazer, a única regra de conduta é o interesse particular. Górgias manifesta uma plena indiferença para com todo o tipo de moralismo. Apenas ensina aos seus discípulos a arte de vencer os adversários, que a causa seja justa ou não, não lhe interessa." (retirado de http://www.angelfire.com)

      A moral, portanto, como norma universal de conduta é vista pelos sofistas não como uma lei racional do agir humano, mas como constituindo um entrave à própria vivência do Homem.

      Assim, os sofistas estabelecem uma oposição especial entre a natureza e a lei, quer política, quer moral, considerando-a como fruto arbitrário, interessado, mortificador e convencional. Entendem por natureza, não a natureza humana racional, mas a natureza humana sensível, animal, instintiva.
      Além disso, acham que a submissão à lei não torna os homens felizes, pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm frequentemente conseguido alcançar êxitos bastante consideráveis no mundo. Portanto, não é a justiça e a rectidão que fazem um homem poderoso, mas sim a prudência e a habilidade.

      Para os sofistas, a realização da perfeita humanidade não está na acção ética, mas sim no engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer e no domínio violento dos homens. Isto faz com que os sofistas critiquem profundamente o direito positivo, muitas vezes arbitrário, contingente, tirânico, em nome do direito natural, considerado como sendo o direito mais poderoso. Numa sociedade em que estão em jogo apenas forças brutas, a autoridade e a violência podem ser o único elemento organizador, o único sistema jurídico admissível.

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A Religião

      A revolução intelectual encabeçada pelos sofistas também atingiu a religião.       Esta questão está intimamente relacionada com a oposição nomos-physis: os deuses foram impostos ou surgiram naturalmente? Se surgiram naturalmente, porque é que existem deuses tão diferentes de região para região? Se foram impostos, como se pode aceitar que comandem as nossas vidas se também eles são imperfeitos, vingativos, cruéis, adúlteros e ciumentos? Porque é se devem imitar, se têm tantos vícios?

      A maior parte dos sofistas viam os deuses como uma criação humana. Em geral, eram ateus. O mundo era de origem natural e não uma criação divina.  Mas, mais uma vez, são detectáveis diversas posições. Protágoras tinha uma posição agnóstica, declarava desconhecer se os deuses existiam ou não. Considerava esta questão como obscura e não merecedora de atenção já que a "vida é curta". Por seu lado Crítias defendia que os deuses haviam sido inventados pelos governos com o objectivo de levarem os homens a acreditar que tudo o que faziam na Terra, quer fosse secreto ou não, era visto pelos deuses e os homens iriam ser responsabilizados por tais comportamentos, fossem eles bons ou maus.

      Claro que isso não significa que, com o ateismo dos sofistas, os deuses tenham desaparecido do mundo grego. Por um lado, porque os sofistas e os seus alunos constituíam uma minoria. Por outro lado, porque as pessoas mais conservadoras encaravam a descrença sofista como sinal de profanação e impiedade.

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Aspectos distintos


      Para além de diferenças que existiam no que respeita aos currículos que seguiam, podem ser realçadas algumas diferenças manifestadas pelos sofistas em determinados aspectos.

      Em primeiro lugar, nem todos encaravam a sua profissão da mesma forma. Enquanto alguns se davam por satisfeitos em transmitir conhecimentos que haviam adquirido, fazendo-o de um modo bastante despreocupado, outros sentem a sua profissão como uma atribuição que têm de respeitar e cumprir com toda a dedicação. Estes consideravam-se dotados da tecnhé política, que ensinavam aos seus alunos como sendo a verdadeira educação, capaz de manter a união entre a comunidade e a civilização humana.

      Sobre este aspecto Protágoras possui uma visão bastante particular:


"Na verdade, ao procurar-me, Hipócrates não experimentará os problemas que o perturbariam frequentando a companhia de outro sofista, com efeito, os outros assoberbam os jovens. Quando os vêem fugir às especializações, empurram-nos novamente para elas, contra vontade."

Protágoras, Pinheiro (1999): pág.88

      Para este sofista só a educação política é verdadeiramente universal e útil à juventude. É por este motivo que considera o seu ensino como sendo superior ao dos outros sofistas que, segundo ele, segmentam o ensino.

      Um outro aspecto onde podemos detectar diferenças entre os sofistas está relacionado com a cultura que cada um possuía e a importância que eles foram dando aos vários assuntos. Relativamente aos temas a que davam uma maior importância, sabe-se que enquanto uns desprezaram as artes, os ofícios e as ciências, e se dedicaram a outros domínios, outros desenvolveram uma verdadeira pesquisa e foram grandes inovadores em diferentes matérias de foro científico. Refira-se, a título de exemplo, que enquanto Górgias e Protágoras ensinavam a areté, Hípias possuía uma enorme admiração pelas ciências, tendo registado "dados sobre astronomia, geometria, aritmética e música" (Pombo, 1996: pág.30).

      Parece que a contribuição dos sofistas foi importante para se revelarem alguns progressos em várias ciências, como na Matemática. Embora esta fosse vista como sendo perfeitamente inútil, quer aos olhos de alguns sofistas, quer aos de alguns cidadãos, ela foi ganhando espaço nos currículos. Na realidade, através da Matemática e da Astronomia era possível desenvolverem-se aptidões completamente distintas das técnicas e práticas derivadas da Gramática, da Retórica e da Dialéctica. Com ela era possível construir e ordenar, de uma forma geral, a força espiritual.

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt